"A Opinião" de Fernanda Câncio, na Manhã TSF.
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Se na eleição de Trump houve quem certificasse que o voto nele não era machista, racista e xenófobo, era o voto de raiva dos deserdados da globalização e dos abandonados pelas elites, o voto que dizia "votamos naquele que vocês odeiam porque ele se preocupa connosco", agora, desculpem, essa desculpa já não dá.
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Com Bolsonaro não dá para negar. Porque ele é o energúmeno que em campanha faz de um tripé metralhadora e simula fuzilar a petralha - ou seja, os apoiantes do PT.
Porque elogia torturadores e se diz a favor da tortura; porque fala dos negros como "gente que não faz nada, já nem serve para procriar"; porque defende que as mulheres devem ganhar menos por terem direito a licença quando engravidam; porque apela a que se cure a homossexualidade à porrada, a que não haja um quilómetro quadrado de reserva ambiental ou indígena, a que toda a gente ande armada.
Porque defendeu, em entrevistas mais antigas, que o Brasil não se resolve com democracia: só com guerra civil.
Bolsonaro não tem um programa económico, não tem um programa de governo. Tem um programa de ódio.
E não dá para negar que foi nisso, nessa promessa de repressão e morte, que a maioria votou no domingo.
Como custa a admitir, arranjamos desculpas. Chegámos ao ponto de ouvir que foi o combate das mulheres contra Bolsonaro, as manifestações, a palavra de ordem "ele não", que lhe deram a vitória.
É aquela ideia de "o material tem sempre razão" aplicada à eleição de psicopatas. Se as pessoas votam neles, hão-de ter uma boa razão; se não a vemos, a incapacidade há-de ser nossa. E sobretudo de quem lutou contra.
Porque lutar acicata o ódio, porque reivindicar acicata o ódio, porque chamar fascista a um fascista, pelos vistos, lhe dá a vitória.
Ok. Admitamos que chamar fascista a um fascista, repetir as enormidades que diz, frisar que não tem outro programa senão o do ódio, não dá resultado.
Não deu.
Mas o que dá?
Quem combateu Bolsonaro, dizem, deveria ter aprendido com a derrota de quem combateu Trump. Ok. Mas como se convence quem apoia um discurso vazio de propostas que não a do ódio e do apelo à matança que isso não é boa ideia? Como se convence alguém que acha que é boa ideia votar para acabar com a democracia que não é boa ideia acabar com a democracia?
Que uma ditadura é uma ditadura, e não se parece nada com isso a que chamam "a ditadura do politicamente correcto"?
Gostava que alguém explicasse, em vez de só criticar quem lutou.
Quem não quis fazer parte dos que se calam para que o mal triunfe.
Mas enquanto não explicam - e é bom que se despachem - lembremo-nos de que, se quem vota em Bolsonaro esqueceu ou nunca soube de história, quem sabe não pode ignorar que isto já sucedeu: o ódio já venceu muitas vezes.
E que quando olhamos para trás, para os crimes, os massacres, o holocausto, não nos ocorre arranjar desculpas para quem votou, apoiou, participou. Eram povo, também, pessoas como nós. Mas não tinham razão - e razão nenhuma.
Contra o mal, só há uma coisa a fazer: lutar.
E votar.
*a autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990