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Sem apoios sociais, metade dos portugueses - cerca de 4,4 milhões de pessoas - são pobres ou, pior, vivem abaixo do limiar da pobreza.
Os números, divulgados pela Pordata, revelam um retrato nu, cru e mensurável de uma realidade que vai passando ao lado do dia a dia dos decisores políticos, dos empresários, dos discursos oficiais e dos anúncios e proclamações públicas.
Já sabíamos que este país não é para velhos - 1,6 milhões de idosos vive(?) com uma pensão abaixo do salário mínimo nacional - mas também está a deixar de ser um país para jovens, para a classe mais baixa e para crianças abaixo dos 18 anos que pertencem a famílias que, segundo os mesmos dados, do ponto de vista alimentar, conseguem, de dois em dois dias, ter acesso a uma refeição com peixe, carne, ovos ou uma alternativa vegetariana. Ainda assim, há seis por centro da população que nem isso consegue garantir. Ou seja, que nem dia sim dia não consegue por na mesa carne, ovos, peixe ou vegetais.
Uma em cada quatro habitações não tem condições de habitabilidade. E 16 por centro da população não consegue aquecer convenientemente a casa durante o inverno. Há, ao mesmo tempo, cada vez mais famílias que não pagam IRS, porque os rendimentos que auferem não chegam para que o fisco lhes possa ir buscar uma parte do rendimento.
Ao mesmo tempo, há campanhas de redução do desperdício de alimentos, crus e cozinhados, ONG's que distribuem a comida que sobra dos restaurantes e dos cafés e que teria como destino o lixo, programas para redução de sal e açúcar nos alimentos para combater a obesidade - nomeadamente infantil e juvenil - e um aumento do custo do cabaz básico dos alimentos.
Recordo. Segundo a análise da Pordata, sem apoios sociais, a situação seria ainda mais dramática. Os apoios sociais, são, portanto, fundamentais para segurar a ténue rede que ainda suporta quase metade da população portuguesa. Mas a questão deveria ser estrutural e não conjuntural, resolvida de forma definitiva e não com medidas que são sempre transitórias e nunca chegam.
A erradicação da pobreza deveria estar na prioridade de todo um país. Enquanto existisse um residente em Portugal com fome ou com má alimentação, com uma casa gelada ou insalubre, o combate deveria ser travado sem tréguas, sem ideologia, como um verdadeiro desígnio nacional. Garantir as necessidades básicas de uma população - que, em cada vez maior número, é uma população que trabalha, recebe salário e continua sem sair da pobreza - é, apenas, dar o mínimo de dignidade humana a milhões de vidas de concidadãos que se limitam a sobreviver.
Para a tarefa, porque hercúlea, devem ser convocados todos, sem exceção - políticos, em primeiro lugar; mas também autarquias locais, grandes e pequenas empresas, instituições sociais e privadas, sociedade civil e «famosos». Só se e quando existir um plano nacional de erradicação da pobreza, com objetivos bem claros e definidos e um caminho para lá chegar, e só quando o plano estiver concluído, poderemos dizer que somos um país decente, para todos, com todos, que de facto não deixa ninguém para trás. A pobreza estrutural combate-se com políticas estruturais. Custa ver a facilidade com o Estado despeja milhões e milhões de euros em atividades várias, supérfluas, de ostentação, afirmação de poder ou propaganda, quando, diz a Pordata, metade dos portugueses está no indigno limiar da pobreza. Ou abaixo dele. Esta não é uma questão apenas para um governo, para um Orçamento ou para uma legislatura. É uma questão que deveria ser de todos, com a parte que cabe a cada um.
Há muito tempo, ficou-me na memória o nome escolhido para um cão. Era um bicho magro, irrequieto, «teimava» em ganir, ladrar, tentar escapar ao controlo da dona. Um rebelde. Ela, calmamente, só lhe dizia: "anda prá-qui, come-se-podes".
