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A luta política mundial entre as maiores potências, os Estados Unidos, a China, a Rússia e a União Europeia, com os seus interesses comuns e, ao mesmo tempo, contraditórios, parece atingir um tom de irracionalidade que não poupa momentos onde, supostamente, todos esperaríamos ver a humanidade unida no combate a um inimigo comum.
Temos um bom exemplo do que digo nas notícias destes dias com a epidemia do coronavírus.
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O secretário de Estado para o Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, disse na quinta-feira passada algo como isto: O encerramento temporário das empresas na China, provocada pelas medidas de prevenção do alastramento da epidemia, "vai ajudar a acelerar o regresso de empregos à América do Norte".
Há nesta frase uma evidente deselegância ou falta de sensibilidade. Mas há mais do que isso: desde que Donald Trump lidera os Estados Unidos que o elemento mais coerente da sua política, no meio da constante incoerência, tem sido, precisamente, o do ataque à China.
Os Estados Unidos não perderão uma única oportunidade para tramarem a China.
Na campanha eleitoral que o elegeu Presidente dos Estados Unidos, Trump explicara as suas intenções em relação a esta matéria: do seu ponto de vista a China é o principal rival dos norte-americanos e a capacidade dos chineses em produzir mais barato, em atrair empresas de raiz norte-americana para o seu território e até em liderar algumas áreas de inovação tecnológica tira força à economia norte-americana e rouba empregos aos seus trabalhadores.
Esta visão levou Trump a adotar uma grande agressividade política em relação à China Popular, que contrasta enormemente com a complacência e, até, apoio, com que as anteriores administrações norte-americanas se relacionaram, a partir dos anos 90 do século passado, com as lideranças chinesas, desde as transformações em direção ao capitalismo implementadas pela República comunista.
A agressividade de Trump abriu uma crise que ameaçou toda a economia global mas já obteve a assinatura de um primeiro acordo comercial China-EUA, que talvez seja o primeiro passo para resolver a situação.
Li até cronistas a defenderem que o regime, por ser comunista, preferia deixar morrer pessoas a anunciar ao mundo a existência da doença no país.
Mas a frase do senhor Wilbur Ross sobre a relação entre o coronavírus e a criação de empregos nos Estados Unidos mostra, claramente, isto: os Estados Unidos não perderão uma única oportunidade para tramarem a China.
Outro exemplo da utilização política da epidemia é a ameaça de greve de enfermeiros em Hong Kong, a exigir o fecho da fronteira com a China Popular e onde o movimento que contesta a liderança chinesa tenta aproveitar o medo da doença para descredibilizar a liderança da República Popular.
Esta ação, acompanhada por acusações que, ao dia de hoje, parecem ser infundadas (com a informação que temos, não podemos ter a certeza), de que o governo chinês não foi diligente a tratar esta matéria - li até cronistas a defenderem que o regime, por ser comunista, preferia deixar morrer pessoas a anunciar ao mundo a existência da doença no país - acompanha uma evidente operação de propaganda que, através do medo que a pneumonia asiática provoca nas pessoas, tenta ajudar indiretamente a fragilizar Xi Ji Ping e a sua governação da China. A queda na bolsa das empresas chinesas impulsiona este movimento.
Mas a propaganda política criada a partir do coronavírus também se constrói do lado chinês, com a exaltação, em tom heroico, da proeza da construção de dois hospitais para 2500 doentes, em poucos dias, o sublinhado da iniciativa decisiva do governo e da disciplina do país que, com apenas uma ordem executiva, pára imediatamente toda a atividade em cidades com dezenas de milhões de habitantes, que ficam em casa, dias e dias a fio, à espera de ordens - há aqui uma insinuação de capacidade de organização superior da China Popular em relação às sociedades ocidentais que é, por si só, um instrumento político de glorificação da liderança do país.
E o governo chinês aproveita o momento para acusar os Estados Unidos de andar a espalhar o pânico, como fez ainda hoje, mais uma vez, para descredibilizar os alertas e as críticas a Pequim.
E isto leva-me a esta conclusão: este alarme gigantesco sobre o coronavírus é justificável ou está infetado pela ação política que amplifica a preocupação das populações de forma a tirar proveito disso?
Se compararmos com os 400 mortos por mês em Portugal, vítimas da pneumonia, os números fatais do coronavírus são ainda muito baixos.
Muitos especialistas preveem ser inevitável haver um dia uma pandemia não controlada pelos serviços médicos que vai matar milhões de pessoas em todo o mundo.
Mas também a verdade é que esta manhã tínhamos oficialmente registados 17.405 infetados com o coronavírus em todo o mundo. Registam-se 362 mortos mas também se assinala que 487 pessoas se curaram da doença.
Se compararmos com os 400 mortos por mês em Portugal, vítimas da pneumonia, os números fatais do coronavírus são ainda muito baixos.
Temos, portanto, de levar a sério a doença mas nada justifica estarmos prematuramente num nível de pânico e, para todos nos defendermos melhor, não só da doença mas também da degradação da sociedade que um pânico não justificado ou o medo exagerado pode provocar, temos de exigir aos nossos políticos, locais e mundiais, mais verdade e menos propaganda sobre o coronavírus.