"A Opinião" de Fernanda Câncio, na Manhã TSF.
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Quando, em 2012, o governo de Passos Coelho anunciou o segundo aumento dos transportes públicos em seis meses - mais 25% no total - uma das justificações apresentadas foi de que o preço dos transportes portugueses era demasiado baixo em comparação com o de outros países europeus.
Nessa altura, num artigo para o DN, comparei os preços de Lisboa com os de quatro cidades de dimensão semelhante: Roma, Atenas, Estocolmo e Bruxelas.
A conclusão a que cheguei foi de que os bilhetes e passes lisboetas eram mais caros, em termos relativos, que os dessas quatro cidades. No caso de Roma eram mais caros até em termos absolutos.
Sete anos depois, perante as novas tarifas e o debate algo surreal que elas suscitaram, resolvi voltar a fazer essa comparação.
Se o preço de um bilhete para viajar na Carris e Metro custa o mesmo que o seu congénere romano - 1,50 euros - o novo passe lisboeta, válido para a Carris, Metro e CP, a 30 euros, custa agora menos cinco que em Roma. Mas Roma volta a ser mais barata na opção passe anual, que não existe em Lisboa: por 250 euros, equivale a pouco mais de 20 por mês. E há ainda outra hipótese: um passe "impessoal", que pode ser usado por várias pessoas, a 53 euros mensais. Convindo lembrar, claro, que o salário médio italiano é quase o dobro do português.
Em Atenas, onde o salário médio é semelhante ao português e o passe mensal custa os mesmos 30 euros, existem ainda as opções trimestral, semestral e anual, um pouco mais baratas. Famílias com quatro ou mais filhos pagam metade do preço, como os idosos, os jovens dos 13 aos 18, os estudantes em universidades gregas e os estudantes em universidades estrangeiras. Desempregados e deficientes andam de graça.
Agora, Bruxelas. O salário médio bruto belga anda nos 1950 euros, para os 1000 e pouco do português. O passe de metro e autocarro é 49 euros; 55 euros com comboio. Também há passe anual, que fica pouco mais em conta. Já os maiores de 65 pagam apenas 60 euros/ano (ou seja, cinco euros/mês, o que compara com os 20 do passe congénere português). E para estudantes dos 12 aos 24 o custo é de 50 euros anuais, ou seja, quatro euros mensais; em famílias com três filhos ou mais, a partir do terceiro o passe de estudante é grátis.
Por fim, Estocolmo. Sendo o salário médio sueco cerca do triplo do português, um passe mensal, que inclui metro, autocarro, eléctrico e barco custa menos do triplo do lisboeta: 82,50 euros. Também nesta cidade há a opção trimestral e anual.
Talvez não seja um acaso que, apesar da descida de preço, os transportes públicos de Lisboa continuem mais caros que os destas capitais europeias. É possível que seja porque a política portuguesa nesta matéria está há muito errada; que é preciso mudar de rumo.
Num mundo com um problema ambiental seríssimo e num país com uma dívida externa alta, baixar o consumo de combustíveis fósseis e desencorajar a utilização do automóvel deveria ser um desígnio de todos, oposição ou não oposição. Todo o debate deveria ser no sentido de descobrir formas de incrementar mais o uso do transporte público e como financiá-lo. E como podemos, em vez de chorar sobre as cheias de Moçambique, tentar fazer alguma coisa para que não se repitam. Porque isto está mesmo tudo ligado.
*a autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990