Vivemos cada vez mais anos, mas estamos longe de envelhecer com qualidade. O mais recente retrato da nossa população explica porquê.
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Não é novidade que somos um país envelhecido, mas os dados atualizados da Pordata traçam um retrato que lança um conjunto de desafios. Por cada 100 jovens, Portugal tem 184 pessoas com 65 ou mais anos e somos o segundo país da União Europeia com a maior taxa de envelhecimento, quase a par da Itália, que lidera. Em 30 anos o número de idosos duplicou e nos últimos dez cresceu 77% a quantidade de pessoas que ultrapassam os 100 anos.
Vivemos mais, mas quando se passa à análise qualitativa percebemos que estamos longe de envelhecer com qualidade. Aos 65 anos, as mulheres podem esperar viver até aos 87, mas apenas sete serão de vida saudável. A saúde está fortemente condicionada pelos baixos rendimentos, com impacto em aspetos tão diversos como o acesso a medicação, a alimentação e a exercício físico.
Sem apoios sociais, 86% dos nossos idosos estariam em situação de pobreza. Mesmo depois de contabilizadas prestações do Estado, 17% vivem com menos de 551 euros por mês. As perspetivas quanto ao futuro dão motivos para alguma esperança, já que a faixa hoje nos 55 aos 64 anos é mais escolarizada e faz mais descontos, mas há ainda muito a fazer para compararmos melhor com os parceiros europeus.
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Debatemos muito a pirâmide etária, o envelhecimento acentuado no interior do país ou o efeito da baixa natalidade no mercado laboral e na Segurança Social. Debatemos menos o que os anos que vamos ganhando representam, se quisermos viver melhor. Desde logo, o Serviço Nacional de Saúde já hoje debilitado terá desafios crescentes à medida que a esperança de vida vai subindo. Mas há questões menos lineares e de respostas muito mais subjetivas, quando tentamos identificar as expectativas e as condições para que os idosos se sintam menos vulneráveis e mais felizes.
A qualidade de vida não é um conceito vago, mas um conjunto de parâmetros definidos e passíveis de serem medidos - mesmo se nem todos são objetivos ou científicos. Promover essa qualidade é o objetivo último da política. Quase nos rimos quando um dirigente partidário elege como bandeira o direito a uma vida boa. Mas na verdade faz todo o sentido. Conquistar anos de vida é uma questão de ciência. Preenchê-la de sentido depende de escolhas pessoais e sociais apenas possíveis quando estão satisfeitas necessidades básicas. Viver melhor não é um resultado milagroso de receitas de autoajuda. É uma construção que tem de ter bases sólidas e equitativas. Desde o primeiro dia de vida até ao último.