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Não há voto de tanta proximidade e confiança como é o das eleições autárquicas. O eleitor avalia os candidatos que encontra literalmente ao virar da esquina – às vezes à mesa do café. Mais ainda em concelhos de pequena dimensão, que não são tão poucos como isso: mais de um terço dos municípios portugueses tem atualmente menos de dez mil habitantes.
Claro que há sempre quem vote ideologicamente e em fidelidade a um partido, como haverá quem opte por castigar ou premiar o trabalho do Governo central. São exceções numa dinâmica marcada por processos de escolha autónomos e locais. O eleitor sabe que as eleições não são todas iguais. E sabe-o com um cuidado que justifica o facto de haver disparidades também nas marcas que deixa em cada um dos três boletins coloridos. Escolher um presidente de Junta de cor diferente do presidente da Câmara é absolutamente normal.
Só quem esquece esta matriz de proximidade pode ficar surpreendido com a resistência do Partido Socialista ou a derrota do Chega, quando comparadas com os resultados do passado mês de maio. Há muito pouco a transpor entre eleições legislativas e autárquicas. Como haverá muito pouco a inferir, partindo das escolhas de domingo, quanto às perspetivas para as próximas presidenciais. Da mesma forma que o anúncio da morte do bipartidarismo foi prematuro e exagerado, será um risco querer ler nestas autárquicas uma travagem do Chega.
Conquistar três câmaras e 137 mandatos, com alguns dos eleitos a poderem influenciar decisivamente a governação local, não é assim tão pouco para um partido com meia dúzia de anos. A questão, em qualquer caso, nem é essa. As autárquicas não estão talhadas para um partido de um homem só, que é ofuscado quando a sua vedeta não aparece no boletim de voto. As presidenciais, pelo contrário, prestam-se ao desempenho do líder com o qual o partido se confunde.
O Partido Socialista resistiu, mas a esquerda, no seu conjunto, continua minoritária. E o que se desenha para as presidenciais parece inescapável. A Esquerda acabará a escolher entre candidatos de direita, incapaz de dialogar e convergir para fortalecer um perfil da sua área política. Claro que a convergência tem riscos e a geringonça deixou traumas, mas valeria a pena fazer contas sobre a diferença que teriam feito, nestas autárquicas, alianças nalguns concelhos. Há uma absoluta coerência ideológica e programática em partidos que recusam coligações e prosseguem sozinhos no caminho. Resta saber onde os leva essa marcha.
