O debate que devia ter sido sobre a nação, mas que acabou por servir também para discutir o relacionamento entre PS, PCP e BE.
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Temos de falar. Tu mudaste. Já não és o que eras. Agora andas com outras companhias, já não me ligas nenhuma. Assim não vai dar. O que é que queres para a nossa relação? Ainda me amas? Ainda me queres? Ainda estou no teu coração?
Os diálogos, as rotinas e os gestos são quase tão antigos como a história da humanidade. O friozinho na barriga, o encantamento, o sorriso parvo que não nos sai da cara, as declarações de amor constantes, quem nunca? No princípio parece que quanto maiores forem as adversidades, mais forte somos.
A geringonça, que passou por tudo isto, chegou agora à fase em que, mais do que discutir o estado da Nação, sentiu necessidade de discutir o estado da relação. "O governo mudou. Temos que falar", avisa Catarina Martins. "Se não se foi mais longe, foi porque o PS fez outras opções", acrescenta Jerónimo de Sousa. Estará esta relação em risco?
PS, Bloco e PCP sempre estiveram conscientes de que esta relação tinha um prazo de validade. Só ninguém sabia dizer qual. O que afasta estes três partidos é mais forte do que aquilo que os une e só uma circunstância tão especial, como o PS ter perdido umas eleições que pareciam ganhas em 2015, é que fez com que estes três partidos se unissem numa relação que não sendo de amor tinha enormes conveniências.
Mas o cimento que unia estes três partidos foi desaparecendo. A cada reversão, a cada rendimento que era reposto, a cada aumento do salário mínimo, o programa da geringonça foi-se esgotando. E, quanto mais se esgotava, mais evidentes passavam a ser as divergências entre estes três partidos. Nem o PCP espera que o PS mude de posição sobre a NATO, nem o PS imagina que algum dia o PCP ou o Bloco de Esquerda se comprometam a cumprir um tratado orçamental com qual não concordam. Por isso, Manuel Alegre tem razão: quando Augusto Santos Silva vem dizer que uma nova geringonça depende de um entendimento sobre a Europa e política externa está, de facto, a contribuir para matar a geringonça tal como a conhecemos.
Passos Coelho deu uma espécie de estocada final. Ao sair de cena, levou com ele o principal alvo político da esquerda que agora não consegue encontrar em Rui Rio os telhados de vidro de quem governou com a troika.
Sem um ódio de estimação e sem programa, à geringonça resta, por isso, aguentar e começar a preparar o futuro próximo. O PCP há muito que começou a distanciar-se e a vincar as diferenças que o separam do PS, retomando um discurso mais crítico e reivindicativo que andou adormecido nos primeiros anos desta governação. O Bloco de Esquerda decidiu manter-se próximo do poder e já se mostrou disponível para um futuro governo. E o PS continua a sonhar com uma maioria absoluta, ainda que opções não lhe faltem para governar em minoria.
Qual é, afinal, o estado da relação da geringonça? É complicado. Mas nada que leve ao divórcio até às legislativas de 2019.