O incompreensível silêncio político, desde logo dos partidos, sobre o escândalo na justiça
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Não é compreensível, sequer aceitável, o silêncio político de Presidente da República, Governo e partidos políticos sobre o escândalo da viciação da distribuição de processos na Relação de Lisboa. Nuns casos, o silêncio é absoluto, intenso, zero palavras como se nada se passasse. Noutros casos, o silêncio é disfarçado com palavras ocasião, com ar mais ou menos grave, dando a entender que é um caso que está a resolver-se.
Sucede que a situação é demasiado grave para comportar estes silêncios. Estamos perante uma mancha enorme, seríssima, no nosso sistema de justiça e, consequentemente, no nosso Estado de Direito. As pessoas podem aceitar más decisões judiciais, podem até viver com decisões judiciais que são proferidas fora de tempo, mas não podem aceitar nem viver com a ideia de que os processos são distribuídos e decididos por quem pagar mais, com a ideia de que as suas vidas, os seus negócios e carreiras e questões, são decididas não pela justiça mas por quem pagou mais.
E é isso mesmo que as pessoas estão a pensar hoje, ao saber destes casos, que se passaram há anos, sem que haja uma resposta política por parte do sistema político. Se foi há anos que isto se passou, quantos mais casos se verificaram de lá para cá? Isto foram casos isolados? Não bastam processos disciplinares nem auditorias internas. É preciso auditoria externa, é preciso criar novos procedimentos de distribuição e verificação, é preciso dar garantias de transparência, e é preciso, insisto nisto, estabelecer um diálogo político com os cidadãos: dizer-lhes que isto é inaceitável, que não toleramos o que se passou, e que já estamos a tratar de que não volte a suceder - reconhecendo a gravidade, sem disfarçar, sem eufemismos.
Num ano em que teremos, espera-se, desfechos de casos tão mediáticos como o que envolve José Sócrates, podemos aceitar que, seja qual for o desfecho, se possa instalar na cidadania a ideia de que o processo esteve viciado? Podemos aceitar com complacência que um esteio do nosso Estado de Direito tenha esta mancha a pairar? Podemos estar confortáveis com a circunstância de juízes, bons, sérios, trabalhadores, estarem a entrar nas salas de audiência sabendo que a sua decisão, seja ela qual, vai poder ser percebida como sendo corrupta?
Perante isto, perante a gravidade disto, o silêncio político é irresponsável. Depois preocupamo-nos com os populistas? Só lhes estamos a dar gás se mantivermos este silêncio.