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A Procuradoria-Geral da República Islâmica decidiu que não vai perpetuar a "Polícia da Moral", como tinha previsto na "folha de rota" da Revolução, nem irá permitir libertinagens às mulheres e aos homens no país. Sábado passado, 3 de Dezembro, o Procurador-Geral Mohamad Jafar Montazeri, anunciou o fim da "Gasht-e-Ershad", literalmente "Patrulhas de Orientação", uma autoridade que nada tinha a ver com o Poder Judicial, confirmando assim ter existido um Orgão de Soberania sem ser soberano, um oficioso que desde a Presidência de Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013), passou por oficial.
Trata-se de uma boa notícia sem dúvida, a qual até poderá ser comparada à alteração da lei saudita em 2018, que passou a permitir às mulheres terem Carta de Condução. Mais tarde, ou mais recentemente, em 2021 e também na Arábia Saudita, a eliminação do Parágrafo B do Artigo 168, da chamada "Lei de Procedimentos perante os Tribunais da Shariat", passou a permitir às "mulheres adultas e racionais" viverem sozinhas, sem necessidade da presença e/ou autorização de um tutor masculino. Porquê? Por uma questão de igualdade, de justiça, de Direitos Humanos? Não, antes por uma questão de gestão demográfica, bem como de prospectiva relativamente ao futuro, que tem base na realidade presente. Ou seja, o número de mulheres, neste caso específico saudita, mas genérico a todos os países que permitem a poligamia, o número de nascimentos no feminino em muito ultrapassa os nascimentos no masculino. Este facto nos "países petroleiros" com uma classe média alta galopante no crescimento, escolas, laboratórios e universidades bem equipadas, bem como um orçamento familiar que permite estudar no estrangeiro, tem visto o número de jovens mulheres com formação superior também crescer de forma galopante. O que fazer com estes quadros superiores no feminino? Remetê-las à cozinha e mantê-las como simples parideiras? Isso seria um desbaratar duplo de todo o investimento feito na formação e no potencial que representam para o mercado de trabalho. No caso saudita, que projecta o pós-petróleo, esta mão-de-obra no feminino torna-se inegociável para a fase de transição e consolidação do masculino nos destinos do reino. E no Irão?
No Irão, trata-se primeiro de uma cedência imediata no sentido de apaziguar os ânimos populares que vêm em crescendo desde Setembro, em protesto contra a obrigatoriedade do uso do véu, símbolo da "objectificação" e desvalorização da mulher. Em segundo, o cenário saudita de uma maioria de mulheres com formação superior também se
verifica, pelo que seria inevitável o início de um período de reformas, que em ditaduras só se iniciam após um processo de contestação que leve as pessoas às ruas, as famílias aos cemitérios e os acontecimentos para as páginas dos jornais. Este preciso momento, com o Mundo de olhos no Golfo Pérsico, deve ter produzido nos Aiatollahs a percepção do momento para o golpe publicitário perfeito. No entanto, o Irão não irá, para já, alargar as balizas das liberdades femininas com esta medida. Porquê? Porque se trata de uma Teocracia e estas têm sempre tendência a darem um passo em frente e dois atrás, na lógica da compensação para a manutenção do "Status Quo". Provavelmente poderemos estar a assistir ao início do fim da Revolução Iraniana, já que reformas exigem mais reformas e as "razões do oculto" pela qual se rege a mente de um padre, obrigá-lo-á a remeter-se às Leis de Deus, aumentando o fosso entre si e os homens. Aliás, as Teocracias não se reformam, autodestroem-se, de remendo em remendo, de compensação em compensação!
Oposição turca apresenta plano para as eleições de 2023
O líder do Partido Popular Republicano (social-democrata), maior Partido da oposição, Kemal Kiliçdaroglu, anunciou também no sábado 03, uma aliança com outros cinco partidos, para as Eleições Gerais de 2023. Esta aliança apresenta dois planos num só. Ganhar as eleições e, caso isso não aconteça, ter nos resultados eleitorais uma catapulta de força que lhes permita pressionar uma Revisão Constitucional que limite os poderes crescentes do Presidente Erdogan nos últimos 20 anos, terminando assim com a "ditadura-democrática erdogânica". O plano apresenta-se como consistente, à primeira vista, já que conta com dois académicos que lideram uma equipa de 70 especialistas, com base no jurídico, no económico e no social também. Estes dois académicos, o sociólogo/economista Jeremy Rifkin (norte-americano) e o economista Daron Acemoglu (MIT), têm agora a responsabilidade de trabalharem sobretudo um Plano B, já que muito dificilmente Erdogan perderá a Presidência nas urnas, bem como o Partido que representa, o da Justiça e Desenvolvimento (AKP). Este Plano B, que se quer robusto, deverá assentar num esboço de Nova Constituição que avance no sentido de um semipresidencialismo limitativo dos vastos poderes que Erdogan foi acumulando desde agosto de 2014. Conforme disse Kemal Kiliçdaroglu, "a solução não passa por substituir um único homem no poder", mas todo um sistema que faz do Presidente, Primeiro-Ministro também. Entre estes 70, não exclusivamente turcos, encontram-se também o socialista José Luis Zapatero e a conservadora Angela Merkel. Sábios têm, só faltam as unhas para tocarem este kanun!
A Acontecer / A Acompanhar
- 06 de Dezembro, Os Amigos do Museu Nacional Soares dos Reis promovem o lançamento do livro "A Arquitectura dos Portugueses em Marrocos, 1415-1769", de Pedro Dias, às 18h, no Auditório do Museu, Porto;
- 07 de Dezembro, Ciclo de Seminários Middle East and North Africa. Comunicação: "Afghanistan: The Taliban and the superpowers - Ambitions, representations and frustrations", com Ricardo Alexandre CEI-TSF e autor do livro "Breve História do Afeganistão de A a Z". ÀS 20.30h no Auditório Afonso de Barros, no Edifício 3 do ISCTE, Lisboa.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.