O novo álbum do cantor e compositor foi escrito antes da morte do filho de 15 anos, mas gravado depois. O resultado final é um obra definitivamente marcada pela dor da perda e pelo luto.
Corpo do artigo
Nick Cave sempre se moveu bem na escuridão. O músico australiano tem feito carreira a cantar o amor, a violência, a religião e a morte como se fosse uma espécie de pastor evangélico das trevas. Em mais de 40 anos de música, Nick Cave contou histórias macabras, matou quase tantas personagens como as que inventou e criou ambientes sombrios e convidativos que nos têm mantido por perto pelo menos desde 1984, quando começou a editar com os Bad Seeds.
Sempre conseguimos imaginá-lo como anfitrião de uma qualquer casa de horrores, mas o novo álbum Skeleton Tree torna claro que, desta feita, Nick Cave não foi apenas narrador.
Em julho de 2015, o músico recebeu a notícia de que um dos seus filhos - Arthur, de 15 anos - tinha morrido após cair de uma arriba em Brighton, no Reino Unido. O álbum já estava praticamente escrito então, mas o resultado final transpira angústia, dor e luto.
O caminho que Nick Cave & The Bad Seeds vinham seguindo nos últimos anos, nomeadamente em Push The Sky Away, de 2013, tem aqui alguma continuidade. Há menos explosão e momentos épicos, mas a forma como a banda acompanha as histórias dá a Skeleton Tree um ambiente fumarento de espírito jazz. Os Bad Seeds abordam a música com uma frugalidade que coloca o álbum num ponto de equilíbrio perfeito e Nick Cave canta como nunca - com a brutal sinceridade de quem muito perdeu.
9iGxoJnygW8
"Jesus Alone" abre Skeleton Tree com um arrepio premonitório - "You fell from the sky, crash landed in a field near the river Adur" - e uma intensidade instrumental que o álbum não volta a ter. Mas não precisa: das pinceladas pop de "Rings of Saturn" ao desconforto de "Anthrocene", passando pelos arranjos etéreos de "Girl In Amber" e "Distant Sky" (que conta com a participação da soprano dinamarquesa Else Torp), Skeleton Tree nunca se impõe. Vamos ter com ele à mesma porque nunca este tipo de emoções foi tão óbvio na voz de Nick Cave. Como no lamento de "I Need You" ou na belíssima catarse de "Skeleton Tree", que começa por provocar um nó na garganta com os versos "Sunday morning, skeleton tree / Oh, nothing is for free", mas termina com esperança: "And it"s alright now", repete Nick Cave, aparentemente ainda a tentar convencer-se do que diz.
O resultado final é duro. Skeleton Tree não é fácil, mas é uma tremenda viagem musical que apetece compreender e repetir. Definitivamente um dos melhores álbuns de 2016.
* Editor do site strobe.pt