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O Rei de Marrocos, Mohamed VI (MVI), presidiu excepcionalmente um Conselho de Ministros na passada quarta-feira 13, no final do qual o Ministro do Interior Abdelouafi Laftit, comunicou que serão criadas novas instâncias especificamente destinadas a uma reorganização da comunidade judaica marroquina. Com cerca de 3 mil súbditos, esta comunidade tem ganho visibilidade e importância desde a regularização de relações entre Marrocos e Israel em Dezembro de 2020. O sumo desta decisão vem reforçar o Preâmbulo da Constituição de 2011, a qual refere que a unidade do reino é "forjada pela convergência dos seus componentes árabo-islâmico, amazigh e saharo-hassania, que beberam e se enriqueceram pelas afluentes africana, andalous, hebraica e mediterrânica". Este Conselho de Ministros veio consagrar a afluente hebraica enquanto elemento integrante da cultura marroquina, múltipla nas suas diversas componentes e influências. Por outro lado, esta reorganização da comunidade judaica marroquina, é também uma oportunidade/tentativa de "marrocanizar" os judeus marroquinos que ficaram e os cerca de 700 mil de ascendência marroquina que vivem em Israel, número nada negligenciável. Portugal tentou fazer exactamente o mesmo nas décadas de 1940 e 1950, a propósito das mesquitas nas ex-colónias, tentando "aportuguesá-las" arquitectónicamente, um primeiro passo para a não alienação de um importante número de portugueses de Moçambique e da Guiné-Bissau. Quanto às mesquitas, não foi naturalmente possível colocar-lhes "pão e vinho à mesa" como numa casa portuguesa, mas a partir do início da guerra colonial nestes territórios portugueses, os muçulmanos foram alvo de uma intensa campanha de acção psicológica, no sentido destes alinharem os seus corações e mentes, na direcção da causa portuguesa e não da causa independentista. Para o caso de Moçambique, o "indiano muçulmano" colocado "entre a espada e a parede" optou pela chamada "nacionalidade de recurso", assumindo-se como muçulmano e não como português ou moçambicano. Aliás, nas suas cabeças deveria passar um pensamento óbvio, "esta guerra é entre pretos e brancos, nós nada temos a ver com isto!" No caso bissau-guineense, tratando-se de uma extensão territorial muito menor e o facto das populações estarem demasiado divididas e quase que estratificadas etnicamente, fruto dos alinhamentos ou não, com as autoridades portuguesas, o comportamento foi distinto do moçambicano, não sendo mesmo possível identificar um padrão.
De regresso a Marrocos, este Conselho de Ministros foi mais uma oportunidade para MVI aparecer nos écrans de televisão de Tânger a Lagouira, após um mês e 10 dias de recolhimento total em França,
com a justificação oficial de ter contraído covid. Foi aliás a segunda aparição pública em 3 dias, após ter liderado a oração de Eid"ul Adha de 10 de Julho. Sempre acompanhado do Príncipe Herdeiro, Moulay Hassan, o que começa também a suscitar cada vez mais leituras políticas dentro e fora do reino.
Burkina Faso: "Terrorismo Rodoviário", nova tática?
O fim-de-semana passado viu no Burkina Faso provavelmente, o surgimento de uma nova tática jihadista no Sahel, com a destruição de duas pontes. Um "comboio rodoviário" foi impedido de abastecer a cidade Djibo, no norte do país, já que a ponte de Woussé foi dinamitada e a alternativa passagem por Naré também viu a sua ponte rebentar após a primeira, isolando ainda mais o norte deste país já de si encalhado na hinterlândia saheliana, sem acesso ao mar e com 6 fronteiras distintas. De momento, o norte não tem ligação à capital, Ouagadougou, especulando-se sobre futuros ataques jihadistas às populações indefesas, sem possibilidade de fuga ou assistência. As estradas do Burkina não são bem estradas, são mais caminhos, mas são estas "pistas", na tradução directa do francês, que permitem o abastecimento do país a partir do exterior. A confirmar-se ser esta uma nova abordagem jihadista no país, o eixo Niamey/Ouagadougou, desprotegido, apresenta-se como a principal via de trânsito das importações e exportações de e para os países do Golfo da Guiné (Costa do Marfim, Gana, Togo e Benim, na fronteira sul do Burkina). As próximas duas semanas serão cruciais para perceber as movimentações destes grupos criminosos e confirmar, ou não, se estas duas pontes destruídas numa sequência coordenada marcam o início de uma nova fase, a qual a partir de um "terrorismo rodoviário" isola populações previamente a ataques indiscriminados a cidades e aldeias.
A Acontecer / A Acompanhar
Cinema - "Alto e Bom Som - A Batida de Casablanca", de Nabil Ayouch, em exibição no Cinema Medeia Nimas (Lisboa), dias 18, 19, 20 e 25 de Julho. No Porto, em exibição no Teatro do Campo Alegre, dias 18, 19 e 20 de Julho;
Cinema - De 22 de Julho a 6 de Setembro, estão abertas as inscrições para a 13ª Edição do FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa, que decorrerá no Cinema São Jorge, de 9 a 14 de Dezembro de 2022.
Raúl M. Braga Pires é autor do site Maghreb-Machrek, é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia
