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O medo, como emoção instintiva que nos ajuda a tomar decisões, pode ter um efeito protetor e organizador da vida social, mas torna-se combustível para a violência quando é alimentado por discursos de ódio e de desconfiança em relação ao desconhecido. A xenofobia e a intolerância cultivam o medo para potenciar as suas mensagens. O outro é visto como um perigo potencial. Nem que esse perigo resulte do simples facto de ser diferente em relação ao que se considera ser a norma - ou não tivessem as palavras estrangeiro e estranho a mesma etimologia.
Aos primeiros minutos, a notícia de um ataque num centro ismaelita pode fazer soar um alarme. Os meios policiais foram acionados de forma pronta e todos os cenários quanto à motivação do atacante colocados sobre a mesa. Ainda assim, exigia-se cautela nas leituras em relação ao que estava a acontecer em Lisboa. Razão pela qual todas as reações iniciais se limitaram a lamentar as duas mortes, sublinhando ser preciso aguardar por explicações sobre o caso.
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Apesar de apelar a alguma prudência até se perceber o contexto do crime, o líder do Chega, pelo contrário, foi rápido a escrever no Twitter que "a política de portas abertas deu nisto", considerando mesmo que o sangue das vítimas "está nas mãos do Governo de António Costa". E se há momentos em que ignorar as parvoíces ditas por André Ventura é o melhor para manter a higiene no espaço público, noutros os riscos são tantos que é preciso fazer o inverso: recusar de forma intransigente que haja a tentação de usar a desgraça das vítimas e a perturbação emocional do agressor para fazer política rasteira.
Estamos perante um crime invulgar no nosso país e será preciso tempo para percebermos com clareza os seus contornos. Mas os dados já conhecidos mostram ser abusivo estabelecer ligações entre o sucedido e as políticas de imigração ou de acolhimento de refugiados. Semear essa ideia e alimentar o medo das pessoas contra o desconhecido é perigoso e mais um exemplo das razões pelas quais devemos estar atentos ao crescimento da extrema-direita.
O Centro Ismaelita, inaugurado há quase 25 anos, tem desempenhado um papel ativo no acolhimento e integração de refugiados. Está a dar formação profissional a mais de 40 pessoas e aliou-se a vários serviços públicos para dar respostas a quem chega ao país, contribuindo para facilitar o acesso à língua e ao emprego. É, por isso, um espaço de diálogo, de tolerância e de abertura. Um lugar que luta contra o ódio. Este é o momento de mostrar solidariedade e apoio às famílias das vítimas, e de aplaudir o trabalho que tem sido desenvolvido por todos os que trabalham no centro. Recusando que haja quem tente plantar tempestades onde tanta gente semeia união e respeito pela diversidade.
