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Comecei estas conversas com o Nuno Domingues em meados de Setembro com uma análise sobre o Discurso do Estado da União Europeia. A minha leitura foi muito positiva tendo em consideração a ênfase na estratégia que a Europa tanto precisa. Entre outros aspectos a Presidente da Comissão Europeia passou o seu entusiasmo e o seu entendimento da necessidade da UE ter uma voz activa no mundo. A este momento importante juntou-se outro crucial para o mundo, para a parceria transatlântica e para a democracia liberal e direitos humanos: a eleição de Joe Biden nos EUA.
Deste modo, terminei o ano a pensar em como a parceria entre os EUA, a UE e a NATO cuja presença britânica depois do Brexit é agora ainda mais indispensável, tinha agora as condições para ser reformada e aperfeiçoada. Mais ainda, quando temos «Washington» tão polarizada, mas que em relação a Moscovo e Beijing é capaz de ter uma mensagem consensual. É espantoso, mas é mesmo verdade. E, em matéria de política externa e para que fique bem claro, não partilho a defesa de que devemos «apagar» a Administração Trump da história ou fazer de conta que não existiu.
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Claro está que não durou muito o meu entusiasmo, pois como disse um dos grandes futebolistas deste país: «prognósticos só no fim do jogo». Desde o final do ano que a UE e alguns estados europeus têm somado erros, desastres e passado uma vergonha «russa». Entre um princípio de acordo com a China, declarações sobre a «autonomia estratégica» da UE como se esta expressão fosse apenas sinónimo de choque ou confronto com os EUA e a desgraça de Josep Borrell, o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança na sua visita à Rússia de Sergei Lavrov, nem sei bem por onde começar. Mas, para ser justa diria que as responsabilidades devem ser repartidas entre a UE e os seus estados-membros, em particular, a França e a Alemanha.
Aliás, em relação a Berlim há um gasoduto no centro de mais uma controvérsia. O Nord Stream 2, cuja construção foi recomeçada e enfrenta sanções dos EUA, é aos olhos de Washington (mais) uma arma do Kremlin no continente europeu. Esta perspectiva é também defendida por outros países europeus que, por razões óbvias relacionadas com a sua história, geografia e economia, têm expresso a sua insatisfação. Na verdade, reforçaram as críticas ao primeiro gasoduto inaugurado em 2011. A relação da Alemanha com a Rússia e, na verdade, com a China é um campo de batalha entre interesses estratégicos e interesses sectoriais em especial da sua comunidade
empresarial. O que assistimos nas últimas semanas não nos deixa muito esperançados que prevaleça a visão estratégica.
Não me interpretem mal, não penso que todas as decisões de Washington são para serem seguidas à risca ou que a UE não possa discordar dos EUA. Pelo contrário, temos interesses diferentes e mesmo divergentes em diversas matérias. Mas, em questões estruturais ou sistémicas como é, por exemplo, a relação com a China ou a com a Rússia a conversa é outra. A não ser que a UE e os seus principais estados queiram continuar a passar ao lado do poder internacional.