"A Opinião" de Fernanda Câncio, na Manhã TSF.
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A crise na habitação que assola Lisboa e Porto, com aumento desmesurado e imparável dos preços, é comum a muitas outras cidades europeias.
Sendo um problema comum, seria de esperar que a União Europeia tentasse encontrar uma política comum para lidar com ele.
Mas não há notícia de propostas nesse sentido. Como não há notícia, no debate português, sobre o que outros têm feito nesta matéria.
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E não é por falta de assunto: há países europeus que decidiram proibir a venda de habitação a não residentes, e outros que instituíram sistemas de controlo do preço das rendas. Estão neste último caso a Alemanha e a Irlanda.
Na Irlanda, que tem um governo liberal, uma lei de 2016 estabeleceu a existência de "zonas de pressão". Nestas, a renda só pode ser aumentada 4% ao ano. Há meses, o governo considerou que, para a lei ter eficácia e ser mais justa, é preciso criminalizar os aumentos acima dessa percentagem e criar excepções para senhorios que tenham mantido as rendas baixas.
Na Alemanha, desde 2015, criou-se a possibilidade de os 16 estados federais imporem um limite aos aumentos de renda: esta não poderá nunca exceder em 10% a praticada em imóveis similares na zona. Onze estados adoptaram a medida. Mas já se concluiu que é preciso alterá-la. Uma das propostas é criminalizar os despejos que ocorram com o pretexto de uma falsa reabilitação.
Em comparação, por cá, as propostas do famigerado "pacote da habitação", que nunca mais vê a luz do dia, limitam-se a aumentar os prazos mínimos dos contratos de arrendamento habitacional e a oferecer benefícios fiscais aos senhorios que aceitem cobrar rendas 20% abaixo do valor de mercado ou celebrar contratos de longa duração - considerando-se "longa duração" mais de oito ou dez anos.
Ou seja, este pacote dá a escolher aos senhorios entre continuarem a aumentar loucamente as rendas e celebrarem contratos de oito ou dez anos. É imensamente difícil adivinhar o que vão escolher.
O que é mesmo difícil adivinhar é porque é que a ninguém, na esquerda portuguesa, ocorre propor medidas como as adoptadas na Irlanda e na Alemanha.
Dir-se-ia que, para o PS e parceiros, só há dois tipos possíveis de arrendamento. Aquele que vigora nos contratos anteriores a 1990, em que o senhorio é obrigado a receber, até que a morte o separe do inquilino e sem qualquer compensação fiscal, a renda que o Estado impõe - são as rendas congeladas; e aquele em que o proprietário tem liberdade total para determinar o valor da renda, limitando-se o Estado a tentar convencê-lo a pedir um pouco menos mediante oferta de benefícios fiscais.
Podem até coexistir no mesmo prédio, mas para os partidos da maioria estão, pelos vistos, em mundos paralelos.
*a autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990