Corpo do artigo
No seu espaço habitual de opinião na antena da TSF, Daniel Oliveira comenta esta terça-feira o campeonato Mundial de futebol 2030, que se vai realizar em Portugal.
"Dos Jogos Olímpicos de 1936, na capital da Alemanha nazi, ao último mundial do Qatar, passando pelo Mundial da Argentina de 1978 ou pelos Jogos Olímpicos de Pequim", Daniel Oliveira defende que "os grandes eventos desportivos têm servido, ao longo da história, para a promoção de regimes", acrescentando que "quanto mais caros e insustentáveis" são os eventos, mais ficam as ditaduras "com esse instrumento de marketing político".
"As democracias esperam outro tipo de retorno que justifique o investimento, a pressão da chegada de multidões às cidades e, no caso dos mundiais, as pornográficas exigências legais e fiscais da FIFA, dificilmente acomodáveis para um verdadeiro Estado de Direito", sustenta.
Para o comentador, Portugal pode "ficar apenas com o retorno imaterial deixado pela Jornada Mundial da Juventude", mas "do mega altar ao estádio do Algarve, este país bem poderia ser um santuário de elefantes brancos", critica.
TSF\audio\2023\10\noticias\10\10_outubro_2023_a_opiniao_daniel_oliveira
"Há câmaras municipais que só vão pagar as dívidas dos estádios do Euro 2004 em 2030", afirma, ironizando que "a despesa ficará, desta vez, quase toda para a Espanha". Daniel Oliveira considera que se pode antever "que os custos na renovação da Luz, de Alvalade e do Dragão para que estejam à altura de receber o mundial daqui a sete anos, serão transferidos dos clubes para os contribuintes e não faltarão despesas em infraestruturas e logística".
Daniel Oliveira diz opor-se "desde o primeiro dia" à candidatura de Portugal à organização do Mundial 2030 e considera que a questão que se coloca, "quando se concorre a um evento desta natureza", é: "Para o que é que o fazemos?"
"O Secretário de Estado do Desporto disse, há bastantes meses, que este evento se teria um impacto absoluto e transformador muito para lá do futebol e que deveria ser um grande objetivo para o país. Que impacto será esse? Se não precisamos, e eu espero que não precisemos, deste tipo de eventos para promover regimes ou governos, assumo que a sua principal função só pode ser a de promover Portugal como destino turístico. Precisamos de mais turismo em Lisboa e no Porto, onde os jogos vão decorrer?", questiona.
Na opinião do autor, é "importante relativizar o impacto do Euro 2004 no crescimento do turismo". Daniel Oliveira lembra o crescimento de 6% nesse mesmo ano, mas reforça que "foi entre 2012 e 2017 que se deu o grande salto de 47 para 74 milhões de dormidas".
"Em 2004, as receitas do turismo correspondeu a 4,1% do PIB. Em 2019, já estavam os 8,5%. Tenha sido um impacto direto ou indireto, a pergunta que temos de responder é se não temos uma estratégia de desenvolvimento diferente desde 2004, quando estas duas décadas corresponderam a um longo período de estagnação económica do país", sustenta.
"Somos a terceira economia mais dependente do turismo da Europa. Mais do que Espanha, ou Itália, apenas atrás da Croácia e da Grécia, dirão que pelo menos essa parte corre bem", ironiza.
Daniel Oliveira acredita que "a economia é como outro sistema qualquer": "A monocultura, fruto de uma decisão ou de inércia, cria desequilíbrios destrutivos. A valorização excessiva do imobiliário para a qual o turismo dá uma poderosa contribuição, sobretudo em Lisboa, Porto e Algarve, aumenta os custos da habitação e torna cada vez mais difícil a empresas e ao Estado contratar pessoas nessa região."
Por outro lado, para o comentador, nem tudo é mau e "há outras atividades de onde recebemos boas notícias". No entanto, apesar do investimento estrangeiro europeu estar crescer na indústria transformadora, na investigação e desenvolvimento e em serviços, o comentador espera que "não caia a pique com a crise económica que o BCE deliberadamente quer impor à Europa".
"Todas essas atividades são fortemente prejudicadas quando os custos de contexto aumentam e entre os custos de contexto está o custo à habitação, que tem de ser incorporado nos salários, sem qualquer ganho para o rendimento disponível do trabalhador. O turismo, como qualquer atividade, começa a ganhar o monopólio na economia, transforma-se num eucaliptal", defende.
Não conseguindo vislumbrar nenhum ganho, Daniel Oliveira diz conseguir "imaginar muitas derrapagens e mais nesta aventura que vai especializando Portugal na organização de eventos assumindo para nossa tragédia que só temos sol e praia para oferecer ao mundo".
"Em vez da excitação patrioteira de quem vive na ansiedade de ser visto pelo mundo, devíamos pensar onde devem ser gastas as nossas energias. Não são muitas, assim como não são muitos os recursos que temos. Já agora, a cereja em cima do bolo que é coorganizar este evento com a ditadura marroquina, porque não é só na Ucrânia que se traça a fronteira entre os valores democráticos e a tirania", conclui.