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Independentemente da ideologia que cada um possa ter, qualquer pessoa que respire um sopro de humanidade não aceita o nazismo. Porquê? Por causa dos campos de extermínio que, a partir do meio da II Guerra Mundial, serviram aos partidários alemães de Adolfo Hitler para aplicarem a chamada "solução final" - um sistema de extermínio em massa de judeus e, também, de outros grupos que os nazis classificaram de "degenerados" ou "antissociais" e que incluíram ciganos, deficientes físicos e comunistas, entre outros.
A efeméride da libertação do campo de Auschwitz pelo Exército Vermelho da União Soviética lembra esse Holocausto e não vão faltar vozes que, ao recordar a selvajaria da época, dirão "nazismo nunca mais".
Porém, como outra notícia citada na manhã TSF já hoje referiu, nunca, depois da II Guerra Mundial, o nazismo teve tantos adeptos assumidos no mundo, incluindo na Alemanha, o país onde ele nasceu.
Os primeiros nazis diziam ser lutadores contra a corrupção dos políticos, contra as quadrilhas que roubavam o povo, contra as grandes empresas, contra a burguesia, contra o capitalismo.
O mundo que rejeita o nazismo está a perder terreno, o que significa que não está a saber lutar contra essa ideologia.
A data que assinalará os 100 anos da fundação do partido nazi assinala-se também este ano.
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É interessante ver como, em 1920, os fundadores do partido nacional-socialista dos trabalhadores (este era, na realidade, o nome da organização) descreviam a sua proposta política: para eles, o objetivo do partido era afastar os trabalhadores do comunismo e fazer renascer o nacionalismo alemão, com a ideia de que o patriotismo que todos os alemães deveriam sentir teria de se misturar com algo muito mais radical - uma noção de superioridade da nação alemã em relação a todas as outras.
Os primeiros nazis diziam ser lutadores contra a corrupção dos políticos, eram contra, no seu dizer, as quadrilhas que roubavam o povo, eram contra as grandes empresas, eram contra a burguesia, eram contra o capitalismo.
Esta retórica provocava, deliberadamente, uma enorme confusão com o discurso dos comunistas e de outras forças de esquerda, que também se reivindicavam anticapitalistas e solidárias com as massas trabalhadoras.
À medida que os nacional-socialistas foram crescendo em apoio popular, esse suposto ódio ao capitalismo foi rapidamente esquecido e, a partir dos anos 30, já com a liderança de Adolfo Hitler, muitas grandes empresas industriais alemãs passaram a ser os principais financiadores do nazismo e toda a política nazi deixou rapidamente a retórica contra o capital para se centrar na acusação de que os judeus eram a verdadeira quadrilha culpada por todo roubo ao povo alemão, por toda a corrupção e que bastava tirar os judeus de cena, por um lado, e, por outro lado, eliminar da sociedade qualquer organização de cariz marxista para o capitalismo passar a ser uma coisa boa,. O racismo serviu para sustentar isto.
O que assistimos hoje em dia é apenas, como há 100 anos, o início de um processo.
A evolução até aos campos de extermínio foi, depois disto, um passo coerente da única ideologia no mundo moderno que chegou ao poder, de forma eleita, com o propósito declarado de eliminar fisicamente uma parte da humanidade. O slogan "morte aos judeus" ao lado do desenho da uma cruz suástica, o símbolo nazi, ainda hoje persiste em graffitis ocasionais que se pintam em muitas paredes nas cidades da Europa dita civilizada.
Quando vejo, nos dias de hoje, a retórica e a linguagem desbragada de vários dirigentes de direita, na Europa a e nas Américas, a exaltarem o nacionalismo em vez do patriotismo, a designarem por "socialismo" e "marxismo" coisas que não o são, a fazerem do combate à corrupção um instrumento de doutrinação política, a misturarem toda a classe política e todas as outras ideologias na acusação de roubo ao povo, a mostrarem-se muito solidários com as classes trabalhadoras mais empobrecidas, a criticarem grandes empresas e a globalização, ou a usarem os imigrantes do norte de África com bodes expiatórios dos males europeus, sinto-me a assistir à mesma operação política de há 100 anos, quando o nazismo nasceu.
Não quero confundir os dirigentes atuais do populismo de direita com o nazismo, mas reparo que o que este novo discurso está a fazer é o desenvolvimento de uma retórica que confunde os mais desfavorecidos, as classes trabalhadoras e a parte da classe média que se sente ameaçada no seu estatuto e no seu modo de vida.
Essa confusão pretende afastar as pessoas das ações de protesto e da participação em organizações que tentam colocar em causa, à esquerda, o status quo do capitalismo atual, dando-lhes uma alternativa à direita que desemboca em ira, inconsequente na modificação dos podres do sistema mas útil para o fortalecimento político da extrema-direita.
A democracia tem de provar, todos os dias, que é mesmo melhor que o nazismo.
Esta confusão pretende desviar o protesto das massas da esquerda para a direita, acabando assim, como os nazis fizeram há 100 anos, por neutralizar esse movimento.
O que assistimos hoje em dia é apenas, como há 100 anos, o início de um processo.
Tal como os nazis iniciais, grande parte dos movimentos de extrema-direita dizem aceitar o jogo democrático. Acho, até, que muitas destas pessoas que se envolvem com estes movimentos políticos são humanistas, como alguns nazis, inicialmente, eram. Por isso, a democracia não pode, e bem, excluí-los.
Como combater, então, o fenómeno?
A história mostrou que a complacência de há 100 anos correu mal e, por isso, é preciso maior firmeza e mais inteligência - ou seja, a democracia tem de provar, todos os dias, que é mesmo melhor do que o nazismo.