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A inauguração do monumento de homenagem às vítimas do incêndio de Pedrógão Grande é, por estes dias, o espelho perfeito do estado político em que se encontra o país. Depois de começar por abrir informalmente ao público, o lago e memorial criado por Souto Moura na curva onde morreram mais pessoas vai ter direito a uma cerimónia presidida pelo primeiro-ministro, a que se juntam vários ministros. Uma marcação que, contudo, volta a causar celeuma, desta vez com o presidente da República.
Seis anos depois da maior tragédia resultante de um incêndio florestal no país, o dia 17 de junho não foi assinalado oficialmente. Nessa mesma data António Costa estacionava na Hungria, numa polémica "escala técnica" durante a qual assistiu, sentado ao lado de Viktor Orbán, à final da Liga Europa de futebol. Depois das críticas dirigidas ao Governo pela Associação de Vítimas e por populares de Pedrógão Grande, que se sentiram esquecidos pelas entidades oficiais, coube à ministra da Coesão Territorial tentar reparar os danos. Uma vez que conhece bem o território, desde que presidiu à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Ana Abrunhosa sublinhou ter sido intenção do Executivo respeitar o recolhimento que as famílias merecem, prometendo para breve uma sessão formal de inauguração.
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A cerimónia, soube-se ontem, foi marcada para o dia 27. Marcelo Rebelo de Sousa, contudo, não foi avisado e disso fez questão de dar imediata nota no site da Presidência. Sublinhando ter conhecido a data apenas pela comunicação social, o chefe de Estado acrescentou que, "como é sabido", estará nessa altura em Itália, facto que impossibilita a sua participação. O incidente volta, por isso, a evidenciar a desarticulação entre os palácios de Belém e de São Bento, transparecendo o tom azedo com que é dada nota da falta de envolvimento da Presidência.
O dia 17 é uma marca dolorosa na vida coletiva, mas infelizmente também as grandes tragédias se vão esbatendo com o tempo, sobretudo na memória de quem tem responsabilidades governativas. Seis anos depois, as dificuldades de intervenção na floresta mantêm-se, as fragilidades dos territórios do Interior agravaram-se, o sentimento de esquecimento e abandono das populações é uma evidência. A data em particular apenas acentua a distância tremenda que vai de Lisboa a uma parte significativa do país.
Pior, em cima de todo o contexto que Pedrógão personifica e coloca em debate, é que a inauguração de um monumento se torne pretexto de querela política. Tudo está mal neste tema desde o início, mas não deixa de ser desolador que, no final de contas, ainda seja a disputa entre órgãos de soberania a sobrepor-se aos problemas das populações. Vivemos há meses sob a discussão de sucessivos incidentes e crises políticas, e não há forma de reorientarmos o olhar para os grandes temas do país. Não se vislumbra vontade, nem esforço, dos protagonistas políticos em que isso aconteça.