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A habitação é o primeiro lugar onde existimos, no seio da nossa família. É na dignidade da casa em que crescemos que se desenha a base de tudo na nossa vida e o contributo que vamos deixar ao mundo.
Uma habitação digna é fruto de muito trabalho de muitas famílias. Mas muitas há, por muitas e variadas circunstâncias que não conseguem hoje ter uma casa digna.
As razões são muitas, complementares e complexas: especulação imobiliária, nova construção de luxo, parque habitacional público muito escasso, rendas altas, transportes públicos pouco eficientes que obrigam as pessoas a querer viver perto de onde trabalham, imigração para trabalho e vistos gold, degradação de imóveis e casas devolutas, calvários de burocracia para a autoconstrução e a pequenina corrupção que a desbloqueia. A lista continua.
O primeiro-ministro, o ministro das finanças e a ministra da habitação apresentaram há pouco tempo um pacote de medidas num PowerPoint com letra grande. São umas ideias as que lá estão, sem grande interligação percetível, sem linha de pensamento estratégico que lhe entendamos.
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Não consigo criticar nem elogiar o que lá vem escrito de forma resumida ou por vezes desconexa. Uns elogiam o plano, outros criticam. Só que formular políticas públicas, criar soluções para os problemas é bem mais complexo do que escrever soundbites.
Quando um projeto para habitação familiar é submetido numa Câmara Municipal, esta tem 30 dias úteis para responder de acordo com a lei. A ineficácia de muitas Câmaras faz com que este prazo raramente seja cumprido. Nada acontece à Câmara ou aos funcionários. A pessoa que submete o projeto tem de aguardar e se se queixar, será pior. O governo quer resolver este problema remediando-o. Em vez de as Câmaras passarem a trabalhar bem e a cumprir a lei, bastará uma declaração do arquiteto e engenheiro. O ordenamento do território parece ficar assim avulso e à vontade do freguês.
As casas devolutas serão coercivamente arrendadas. Este é outro ponto confuso. As casas devolutas de quem? Do Estado? Da Igreja Católica? Dos particulares com problemas de heranças ou as das heranças da Santa Casa? E que casas devolutas? As que não têm condições dignas de habitabilidade?
As ideias do PowerPoint estão agora em consulta pública. Essa consulta é para os cidadãos contribuírem com ideias de política ou de operacionalização da política? O que há ali para contribuir de facto e em profundidade? Era preciso mais.
Formular políticas públicas é um exercício difícil e complexo que não se coaduna com mundividências parcelares e por isso tem de prever todos os resultados que se querem alcançar e os outros que podem ser colaterais e prejudiciais à sociedade.
Tudo até agora foi muito pouco e com dúvidas de constitucionalidade porque não se percebe muito bem como tudo vai acontecer.
Proibições aqui, imposições ali, subsídios de esmola acolá. Incentivos e regulação muito pouco. Pouco mais se percebe efetivamente. O Governo falhou na sua comunicação.
Enquanto este debate sobre medidas mais ou menos por alto anunciadas e concretizações que não existem, milhares de famílias continuam neste inverno a viver em condições deploráveis ou a empenhar todo o esforço do seu trabalho para pagar um teto sem condições para a sua família, onde passam frio, onde a comida já é contada e não sobra.
