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O Papa Francisco iniciou quinta-feira 3, uma visita de 4 dias ao Bahrein. Caso não saiba, uma simples consulta num mapa confirmam, o Bahrein da Praça da Pérola, que no início da Primavera Árabe tentou a sorte em tornar-se numa Praça Tahrir à cairota, é uma espécie de "Berlengas da Arábia Saudita", já que se trata de uma ilha muito próxima fisicamente da Península Arábica. Apesar de se tratar de uma Monarquia Constitucional independente, este reino de maioria xiita encontra-se bastante condicionado pela vizinha Casa de Saud, esmagadoramente sunita, a qual se arrepia cada vez que imagina uma potencial revolta na ilha apoiada por Teerão. Por isso mesmo em 2011 o Conselho de Cooperação do Golfo teve oportunidade de ter a sua primeira acção militar conjunta e coordenada, permitindo à Arábia Saudita uma "intervenção militar especial", que transformou a rotunda da Praça da Pérola num cruzamento, já que a bem da estabilidade regional os sauditas varreram tudo o que havia para varrer, anulando qualquer tipo de iniciativa posterior.
Porque é que o Papa Francisco visita o Bahrein agora?
Porque o Bahrein aderiu aos Acordos de Abraão, os quais regularizaram as relações diplomáticas da ilha com Israel. Porque a 15 dias do início do Mundial do Qatar a Igreja Católica não poderia deixar de participar na crescente agenda sobre os Direitos Humanos no Médio Oriente. Porque o que disse no Bahrein tinha de facto como destinatários a Arábia Saudita e o Irão. Porque o Bahrein tem relações diplomáticas com o Vaticano desde 1999, uma igreja desde 1939 e cerca de 140 mil católicos para benzer. Por penúltimo, esta viagem integra o programa ecuménico do Vaticano que aposta no Médio Oriente, desde João Paulo II, no sentido da protecção do seu rebanho nesta vasta "geografia redentora" na qual certas correntes doutrinárias convidam à degola dos infiéis enquanto garantia de que mais tarde se tornarão "janatyies", que é como quem diz "paradisiáveis", com direito ao Paraíso! Por último, Francisco foi lá também tentar passar a mensagem de que usar calças de ganga ou comer um bitoque, não faz do muçulmano menos muçulmano ou um apóstata, conforme as "correntes da degola" apregoam. São precisamente o "desvirtuar" nas atitudes destes "virtuosos mentais" que remetem estas correntes doutrinárias para o gueto das "seitas desislamizadas" incompatíveis com os valores do Mundo moderno, cá e lá também. Cabe ao Islão sem hierarquia separar este trigo do joio!
31ª Cimeira da Liga Árabe cautelosa, quase fofinha!
Dias 1 e 2 de Novembro realizou-se em Argel a 31ª Cimeira da Liga Árabe, sendo que no Dia-de-Todos-os-Santos a Argélia celebrou 68 anos de independência, apostando neste evento como ponto de encontro legitimador com a presença de todas as lideranças árabes dos 22 estados membros da Liga. Esta Cimeira foi "fofinha" porque não marcaram presença 3 figuras cruciais para o aquecimento dos ânimos neste cara-a-cara que não se realizava desde 2019, por via das restrições pandémicas. O Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, a gerir a crescente posição de pária pelo assunto Jamal Kashoggi (assassinado no Consulado Saudita de Istambul), o Presidente dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed al Nahyan, cujo país regularizou relações com Israel através dos Acordos de Abraão e do Rei de Marrocos, Mohammed VI, cuja Questão Sahraoui iria incendiar a Assembleia entre o anfitrião e este convidado. Marrocos, também signatário de Abraão, protegeu o seu monarca de presencialmente assistir ao isolamento que a Mesa da Cimeira levou a cabo, por via da defesa da Palestina.
Por isso mesmo foi um encontro cauteloso, porque ancorou-se em 2 assuntos consensuais: a Palestina e o seu direito a ser um Estado independente e as externalidades da guerra na Ucrânia, nomeadamente na questão dos cereais, fertilizantes e quebras nos circuitos de distribuição dos hidrocarbonetos, a "galinha-dos-ovos-de-ouro" da maioria destes 22. Neste particular da guerra, assistiu-se também a uma vitória russa, já que apesar destes "irritantes da guerra", a neutralidade árabe perante este conflito foi reforçada. Porquê? Porque ninguém quer hostilizar um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que mais tarde lhes poderá render um voto ou um veto, numa das múltiplas disputas fronteiriças, ou outras, que assistem a maioria desta "Casa dos vinte e dois"!
Uma vitória da União Africana (UA)
Em assunto exclusivamente africano, há a assinalar a assinatura de um cessar-fogo em Pretória (2 Nov.) entre a Etiópia e os separatistas do Tigray, vitória inequívoca da UA, que teve no ex-Presidente nigeriano Olusegun Obasanjo o chefe da equipa de negociadores desta organização continental que precisa de sucessos destes como de "cereais para a boca". Foi acordado também o início do desarmamento dos "rebeldes tigrayses", principal desafio às capacidades da UA, para além do regresso à lei e ordem, restabelecimento dos serviços e imprescindível protecção e ajuda humanitária às populações. Soluções africanas para problemas africanos, como dizem os europeus!
A Acontecer / A Acompanhar
- 08 Novembro, 17h, celebração do centenário de José Saramago no Centro Cultural Português de Rabat, Marrocos, com a projecção do filme "José e Pilar".
Raúl M. Braga Pires é autor do site Maghreb-Machrek (em reparação), é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia.