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Estranho país este, onde a maioria dos eleitores não quer eleições antecipadas, segundo dizem as sondagens. Mas também considera, a maioria, que o governo não está a governar bem. É, ao mesmo tempo, uma vontade e o seu contrário. O PS tem vindo a perder apoio popular, já desceu mais de dez pontos no último ano e, nesta altura, há um empate técnico entre socialistas e sociais-democratas. Como analisar, então, o Estado da Nação, se os cidadãos estão numa contradição insanável? Ou, pior ainda, e talvez seja esta a leitura mais correta, nem pensar em eleições agora porque não há, ainda, uma alternativa que seja credível? Encurralados entre um governo que tropeça nas suas próprias trapalhadas e fragilidades, assolado por demissões quase à razão de uma por mês e uma oposição à esquerda que ainda se está a recompor das mudanças de liderança, e à direita, com os novos partidos a crescer e o PSD a manter-se com valores historicamente baixos, que não lhe permitem sonhar, para já, voltar ao poder, o mesmo eleitorado diz, nas sondagens, que a direita, toda junta, tem já mais votos que a esquerda. A geringonça perde terreno para o outro lado do hemisfério ideológico e o Chega, como se previa, arrisca-se a ser o partido de charneira, capaz de viabilizar uma maioria à direita ou, noutra leitura, impedir uma maioria de esquerda. Tal como, nesta altura, o PS está cercado, nos partidos que crescem, Ventura tem razões para sorrir.
Diante deste estado de coisas, que esperar do debate do Estado da Nação desta semana? Certamente como sempre, Costa e o governo vão olhar para o copo meio cheio e puxar dos galões dos apoios sociais, do pacote de habitação, dos novos médicos e professores entretanto contratados, dos aumentos anunciados nas pensões, nos números da inflação que está a baixar, do menor peso da dívida e dos resultados do défice. E ainda falta que o PRR chegue às empresas, à economia e às famílias. Costa vai continuar a querer ganhar tempo. Tempo é o que o primeiro-ministro precisa para que, depois de o «país estar melhor», os bolsos dos portugueses também estejam. Ironia da política e dos ciclos económicos, a frase que o PS criticou a Montenegro quando este era líder parlamentar nos tempos da Troika, é a gora o mantra que segue a maioria absoluta à espera de tirar partido do PRR e da conjuntura.
Do outro lado, toda a oposição vai querer ver um copo meio vazio ou cheio de quase nada. Vai insistir nas demissões dentro do governo, no caso TAP, no problema Galamba, na falta de médicos, nas urgências e hospitais fechados durante o verão, na greve dos professores, da CP, dos oficiais de justiça. Vai dizer que saúde, tribunais e escolas estão fora de controlo e que Costa nada fez durante mais de um ano com a preciosa maioria absoluta que pediu e que teve.
De Belém, os mesmos portugueses sondados também esperam uma atuação mais atenta e vigilante do Presidente da República, com maior parcimónia no uso da palavra e mais firmeza diante do governo. Não parece difícil que Marcelo Rebelo de Sousa faça a vontade ao seu afetuoso povo. Não só porque o Presidente também vê as sondagens como, depois do caso Galamba, e na contagem decrescente para o final do mandato, Marcelo já não tem nada a perder. Faço um desafio aos leitores: vejam ou revejam um qualquer debate do Estado da Nação de anos - ou décadas - anteriores. Este vai ser exatamente igual. O governo a proclamar vitórias, a oposição a elencar falhanços. Por isto, mas não só, é tão importante o que virá de Belém durante o próximo ano. Porque daqui a um ano há eleições europeias. E o tudo pode mudar. Incluindo o estado da nação. Marcelo, esteja dentro ou for a do palácio vai, seguramente, estar no centro da vida política. Como ele gosta.