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O acordo de concertação social que o Governo assinou com todos os parceiros sociais - menos a CGTP, o que não é nada de novo - é uma boa notícia. Num tempo de "incerteza", como lembrou o primeiro-ministro, é importante haver "diálogo, confiança e previsibilidade". Já a liturgia da assinatura, tem mais que se lhe diga. Era domingo à tarde e, decerto, nenhum dos que estiveram no Palácio Foz teria nada mais interessante, importante ou divertido para fazer do que ir emoldurar o evento, bem pensado pela comunicação do governo. Na véspera da entrega do Orçamento do Estado e antes de um Conselho de Ministros extraordinário para aprovar o orçamento, incluindo já as medidas acabadas de assinar.
O momento solene deu tempo, antes da chegada de Costa à sala, de mostrar ao povo que não estava a ver os canais generalistas, sorrisos e abraços, cumprimentos e afetos, mesuras e salamaleques de salão. A descontração que reinava dentro do palácio e os longos minutos de espera, deixaram perceber que era mesmo a festa da concertação. A confederação do Comércio, assinou o documento, mas não foi à encenação, por discordar "do método". UGT, patrões, agricultura e turismo também criticaram "o método e a pressa", mas sempre anuíram em participar no momento. A discussão foi feita a mata-cavalos, apenas em duas reuniões, para não dar grande tempo para reflexões, negociações e cedências. Ainda assim, os signatários deixaram claro que se "avançou muito" e que a versão final está muito longe do rascunho inicial. Da agricultura, em guerra com a ministra do setor, vieram elogios para Medina, o senhor das Finanças. Da UGT, num momento de rara comoção dos trabalhadores, a gratidão pública à ministra do Trabalho. Mas, disse Mário Mourão, "este é o acordo possível". Do lado dos patrões, a ideia de que, aqueles todos, que se aplaudiam mutuamente, foram "pouco ambiciosos". E, "se os astros se alinharem", talvez este acordo traga, de facto, mais rendimentos, melhores salários e maior competitividade.
Eles, os parceiros, sabem, que António Costa sabe que, confrontados, todos, com o princípio da incerteza, um acordo menos mau é melhor que nenhum. E que, como vários oradores deixaram claro, este é "o princípio do caminho" e não o fim dele. Um caminho "para uma legislatura", até 2026, com compromissos escritos.
Costa, o mestre da política, das cerimónias e o dono da bola, sublinhou, humilde, que "nenhuma maioria se basta a si própria". O mesmo Costa que, há poucas semanas, dizia aos seus deputados que não deveriam envergonhar-se da "maioria absoluta". O mesmo autor da imagem de que, sem distrações, vai por as "mãozinhas" no volante e seguir em frente, sem distrações.
Costa sabe que não pode contar com nenhum partido dentro do Parlamento. Esmagou a esquerda, acantonou a direita, tem maioria absoluta e, como em tempos disse o pai de Cavaco Silva sobre as presidenciais, "são todos contra ele". Nos partidos, Costa tem todos contra ele e o PS está sozinho. Com maioria, mas sozinho. Logo, se não pode contar com a oposição, só pode contar com a concertação, para acalmar a contestação social, tentar contentar todos os setores, dar "esperança, previsibilidade e estabilidade" e, sobretudo, estender uma passadeira negocial para quatro anos. O acordo "possível", "apressado", "pouco ambicioso" e que, de facto, fez "aproximar posições" é, de longe, o maior trunfo deste Governo, que vai exibir tantas vezes quantas as que tiver de recordar que há uma maioria absoluta. Antes da matiné de domingo, da abertura dos jornais da hora de almoço de ontem e da apresentação em detalhe do Orçamento, Costa ainda fez a vontade a Marcelo e revelou as linhas macroeconómicas antes do dia de ontem. Um caso (sério) de política.
