A TSF convidou especialistas a analisarem o OE2018 ao longo de toda a semana. Hoje escreve Daniel Traça, economista, professor universitário, diretor da Nova SBE.
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O Orçamento do Estado para 2018 é de continuidade, quer nas políticas seguidas, quer nos acordos políticos que o determinam. Os bons resultados económicos e políticos dos anteriores orçamentos justificam essas opções.
Por outro lado, o enquadramento macroeconómico é bastante favorável, criando margem de manobra ao executivo. Com o crescimento da economia em 2018 previsto para 2,2%, assente nas exportações e no investimento, e o desemprego a descer para 8,7%, crescem as receitas fiscais e a caem as prestações sociais. Por outro lado, a descida das taxas de juro aporta uma redução dos encargos com juros de 0,3 pontos percentuais do PIB do lado da despesa.
Como em qualquer orçamento feito em "ano de vacas gordas", as questões que se põem são três: o realismo, a sustentabilidade e as opções estratégicas.
Quanto ao realismo, o sucesso anterior do ministro das finanças (MF) impõe alguma confiança na sua capacidade de prever e gerir o orçamento. No entanto, é de notar que a previsão do MF para o crescimento difere das instituições internacionais sobretudo na produtividade. Assim, em linha com a Comissão Europeia (CE) e a OCDE, o Governo prevê um crescimento de 0,9% no emprego para 2018, com um abrandamento na descida do desemprego, mas prevê um crescimento da produtividade de 1,2%, enquanto a CE e a OCDE apostam em 0,7% e 0,6%, respetivamente. Mais próximos do Governo estão o FMI e o Conselho de Finanças Públicas. Ora, antes da crise (2000-10) a produtividade cresceu 1,2% ao ano, mas durante a crise (2010-2014) apenas 0,5%, segundo dados do Banco de Portugal. Após a crise, e de acordo com o relatório do orçamento, o valor foi de 0,4% em 2015 e -0,1% em 2016 e 2017. Assim, apesar de 1,2% continuar a ser um crescimento pouco ambicioso para a produtividade, sinal de que o país necessita ainda de reformas, a previsão significa uma inversão importante da tendência. Serão excelentes notícias ou uma miragem? A ver vamos
Relativamente à sustentabilidade, a dinâmica da dívida continuará uma trajetória descendente que o MF prevê já para o fim deste ano: 130,1% do PIB em 2016, 126,7% em 2017 e 123,5% em 2018. A expetativa do MF é que a política do BCE permaneça inalterada no médio prazo, permitindo continuar com as poupanças nos juros. De facto, a mensagem de Frankfurt continua bastante acomodatícia. No entanto, a dinâmica política e económica na Europa poderá rapidamente inverter. A pressão alemã sobre o BCE intensifica-se e vai aumentar com o resultado das eleições. A economia europeia está a aquecer e os mercados financeiros e imobiliários dão sinais de bolhas em formação. É fundamental guardar a flexibilidade para ajustar orçamentos futuros ao fim dos estímulos do BCE. Com a dívida acima dos 100%, correntes de ar nos juros serão tempestades no orçamento. Nesse sentido, são preocupantes notícias de que os custos de muitas políticas se materializarão sobretudo em 2019 e até 2020, quando a dinâmica dos mercados será previsivelmente menos favorável.
Finalmente, as opções estratégicas assentam na lógica redistributiva exigida politicamente, mas de louvar dado o crescimento da desigualdade em Portugal. Aumenta também o investimento público, com destaque para os programas no setor educativo e dos transportes. A redistribuição envolve um alívio fiscal e um aumento das pensões para os que têm menos rendimentos. Afeta também os funcionários públicos, que verão descongeladas as carreiras. Há um esforço para enquadrar as medidas no âmbito da motivação dos funcionários públicos, mas a reforma da gestão de pessoas no Estado continua pouco ambiciosa. Para além disso, abrandam a racionalização (de 2 saídas por 1 entrada para 3 saídas por 2 entradas) e a poupança (122 milhões de euros em 2017 e 23 milhões de euros em 2018) com a redução de funcionários. No combate à precariedade, aposta-se na expansão do emprego público. Reconhecendo as condicionantes políticas, sociais e económicas que sustentam estas decisões, seria importante negociar como contrapartida mais foco no mérito, na avaliação de resultados e na accountability pelos mesmos, no setor público. Reformar profundamente a gestão de pessoas continua a ser o maior desafio do Estado, ignorado antes da crise, durante a crise, e depois da crise. Ainda não será desta...