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O Sr. Mário escreveu da prisão.
Pergunta-me como estou eu, pergunta-me como está a família. Conta-me que sabe que tenho uma vida cheia de trabalho e pouco tempo. Mas que tem saudades que eu o visite.
Conta-me que está cansado. Que se sente velho e a ficar doente. Sente que o mundo o esqueceu depois de 29 anos preso.
A pena máxima em Portugal são 25 anos. Mas ele está preso há 29. O nosso código penal tem uma "coisa" que são as penas sucessivas. Podíamos chamar-lhe na prática outra coisa: prisão perpétua.
Não nos cabe julgar o Sr. Mário, ele já passou por esse processo. Não cometeu crimes de sangue ou outros daqueles, mais graves e que nos revoltam por dentro.
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Sempre foi fugidio à vida, nas condições em que nasceu e cresceu já vinha muito atrás o que me faz pensar no artigo 1 que diz que todos os seres humanos nascem iguais. Podem nascer, mas 30 segundos depois, já isso mudou.
Cedo conheceu as muralhas das prisões e de lá nunca mais saiu por muito tempo, como se ser preso em Portugal, para os pobres, fosse uma sentença para toda a vida, para sempre.
A primeira vez que vi o Sr. Mário, ele ficou surpreendido por eu o ter ido visitar. Não nos conhecíamos e recebi uma carta dele.
Ele é muito simpático, alegre, falador. Percebi isso, que precisava de falar.
A família vivia longe. Ou melhor, ele é que foi preso longe da família. Assim é muito difícil irem visitá-lo.
Telefonar para a família também lhe é difícil. As pessoas reclusas, na maior parte dos casos, só podem fazer um telefonema de no máximo 5 minutos. Os telefones são poucos e os reclusos são muitos.
Pelo Natal é um verdadeiro drama. Quem tenha esposa e dois filhos, só pode falar com um dos familiares durante 5 minutos. Ou então distribuir esse pouco tempo por todos, se eles estiverem juntos.
Sobre os telefones, há uma experiência piloto numa cadeia em Portugal: cada cela tem um telefone fixo. Cada mulher reclusa pode ligar mais à vontade e com privacidade, com mais tempo e sem quase limitações para os números pré-definidos: para os filhos principalmente que é o que lhes dá mais alegria, mais humanidade. A aproximação à família pelo telefone na cela tem sido um sucesso, ao que sei. Mas pergunto-me: porque precisamos de fazer um teste piloto, se este modelo já foi testado em tantos países e com sucesso?
Porque esperamos? Ou e o famoso teste piloto uma desculpa para pouco fazer e devagar?
O contacto com a família - quando ela existe - é peça chave na reinserção social. Isolar as pessoas daqueles e daquelas que as possam incentivar, amar e cuidar, mesmo que à distância, é afastá-las, é cavar abismos para que algum dia saiam da prisão perpétua em que estão.
Sr. Mário, desculpe este tempo todo sem o visitar. Desculpe eu ser também um fator de isolamento e não conseguir estar presente consigo e com tantos e tantas causas urgentes que o mundo tem. Dias há em que sinto que por mais que me esforce, nada parece ser suficiente ou aceitável, ou que valha a pena. E por tudo isso lhe peço desculpa.
Assim que possa, e me deixem, aí estarei e dar-lhe-ei finalmente um abraço.
