Corpo do artigo
Repugnante, disse António Costa de posição do ministro das finanças holandês em discussão sobre o que a União Europeia deveria fazer contra a pandemia de Corona Vírus. Lembrei-me de Jaime Gama, em último dia de ministro antes da chegada de Pires de Miranda no primeiro governo de Cavaco Silva - falávamos de Timor - "A política externa holandesa faz-me nojo". Holandês que me é muito querido e me aconselhara há anos a nunca esquecer que eles eram os heróis de Srebrenica, mais indignado ainda do que Costa, disse-me enojado: isto não é um país é um negócio.
Os holandeses têm costas largas - foi a administração de país europeu ocupado pelos nazis que melhor colaborou com estes na caça aos judeus - mas o nosso mais antigo aliado tirara-nos metade da África que considerávamos nossa com ultimatum que sabiam termos de aceitar e nós próprios nos metemos em guerras coloniais nocivas para muitos dos nossos parceiros da NATO (por não sermos uma democracia não havíamos podido entrar para a CEE, mas fomos membro fundador da NATO - com coisas sérias não se brinca). Não há estados santos - nem a Santa Sé.
Porque é que o mito do amor da paz - e de exemplo para o mundo - animou os países que são hoje a União Europeia desde o fim da segunda guerra mundial, em 1945 - depois de terem andado dois mil anos à pancada uns com os outros?. Alemanha, vencida e dividida, estava arrasada; os vencedores (Grã-Bretanha e, graças ao génio e à coragem de De Gaulle, França) não podiam com uma gata pelo rabo; os verdadeiros vencedores (EUA e URSS) tinham dividido entre si a Europa do pós-guerra - exceto a Grécia, que entrou em guerra civil. O Ocidente europeu vivia no terror de Estaline (sem este não teriam havido UE nem NATO) e sabia só se poder defender da Rússia contando com os arsenais nuclear e convencional americanos. Assim o mito foi crescendo, ajudado também pela NATO que, além de nos defender dos russos, nos defendia uns dos outros. Com o fim da União Soviética, acabou-se a papa doce e chegámos ao Corona Vírus que em vez de nos aproximar nos afasta mais uns dos outros. A ilusão do exemplo a dar ao mundo desvaneceu-se, a maldade volta ao de cima e até nós - dos mais decentes nesta crise - não sairemos dela melhores do que nela entrámos.
Há muitos anos, a convite do Professor Ferrer Correia, vim de Princeton ao Convento de Santa Clara em Coimbra para seminário sobre a Europa. Sentei-me na primeira fila e quando a minha vez chegou mudei-me para a mesa, encarando o público. Casa cheia de homens e mulheres novos cujas caras, roupas, jeitos, olhares de manha triste me fizeram, de repente, sentir no Kosovo. Contei ao Bernardo Futscher e ele explicou-me: «É o teor de terylene, Senhor Embaixador».
Passada esta praga, se a Dra. Isabel Mota me convidar para falar sobre a Europa no Convento de Santa Clara, ao enfrentar o público, aposto dobrado contra singelo que me sentirei apanhado outra vez pelo bafo do Kosovo, onde há muito deixei de ir.