A opinião de Fernando Ribeiro na TSF.
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Outro dia, a convite do meu amigo Miguel Tiago, ex-deputado da CDU, acedi a apoiar este partido para as eleições Europeias. Não sendo eu nem assim tão público, ou político, considerei este acto de natureza puramente simbólica. O meu alcance é limitado e no radar da maioria das pessoas a quem eu chego, não há lugar para a politica, prefere-se, e talvez com razão, uma anarquia amigável em que o estilo de vida e a música de que se gosta, se sobrepõem às diferenças. Todavia, não apoiei por favor, mas por convicção no trabalho dos deputados comunistas na área Europeia que me dei ao trabalho de investigar. Existem ideias muito boas para sectores como Pesca e Cidadania, e, ao que tenha visto, foi a CDU dos poucos partidos a promover o debate sobre o artigo 13, tema do meu último "artigo" na TSF, uma área que me afecta de forma directa.
Numa partilha online deste apoio, um intelectual de esquerda cobriu-me de comentários pouco elogiosos, dirigidos, inevitavelmente, ao meu aspecto e higiene pessoal. Concluía que tipos como eu, gritadores sem eira nem beira, não iriam trazer votos ao partido, pelo contrário. Isso não sabemos, mas até pode ter razão este senhor bem posto, culto, pai de família e viajado como se conclui numa simples visita ao seu perfil público. Todos costumamos dizer que "os políticos são todos iguais" ou que "as pessoas de esquerda" são tendencialmente mais abertas, mas em 2019 penso que a maioria dos dogmas e convenções sociais terão sido abandonadas, dando lugar a outra coisa. A minha experiência pessoal, na qual confiava, permitia-me concordar com a abertura das pessoas de esquerda, mais habituadas aos poetas, músicos, pintores, filósofos; e generalizar, de igual modo, que a preocupação de quase todos os políticos é com a sua carreira e não com o serviço social. Mas, baralharam-me as voltas e acho que já não é bem assim.
Longe de me apoiar numas bacoradas online, penso ser justo discernir daqui um outro tipo de dinâmica, que não é determinado pela divisão política entre esquerda e direita mas sim pela classe social onde vivem os preconceituosos. Uma classe média alta, burguesa, que tem acesso à cultura, formação superior e poder de compra. Enfim, uma parte considerável do nosso tecido social, sem o enfoque da Imprensa e sem as aflições monetárias dos pobres e sem estudos. Quando me dizem que estas pessoas são como snipers que acordaram maldispostos e que começaram a disparar, discordo, vejo, pelo contrário uma classe bem estabelecida, com poder de mudar as coisas e que, à semelhança dos que critica, não conhece outra realidade senão a auto-gratificação, obedecendo a um plano cujo fim é, para todos, de feição capitalista, perseguida, sem cessar, a compleição de uma agenda ou de uma lista de coisas a ter. Uma objectificação da vida e dos ideais, trocados pela piada fácil, pelo novo aparelho ou pelo jantar entre amigos no restaurante da moda para debater o apocalipse dos passes sociais.
Uma vez, numa entrevista para o Expresso, perguntaram-me em off, como eu conseguia ser "amigo" do já mencionado Miguel Tiago e do cronista do Expresso, o Henrique Raposo. Para mim, a resposta é óbvia mas a pergunta diz-me muito de como somos divididos e processados pelo sistema. Na verdade, os meus melhores amigos são estes e outros, muitos de esquerda, outros de direita, uns do PAN, outros verdadeiramente comunistas, prontos para a luta nas ruas. Só não tenho amigos fascistas, que com esses não se criam laços, destroem-se. Considero que todos eles, com as suas assimetrias políticas e financeiras, pertencem à minha classe que, inevitavelmente, luta pelo seu espaço contra as outras classes.
Não pretendo revisionar o Marxismo, mas bem que fomos avisados do triunfo do capitalismo que domina actualmente todo o nosso pensamento e acção. Esse triunfo é evidente e manda no mundo. Sempre vi a politica de esquerda como uma alternativa, entretanto demonizada pelos Americanos e estendida como pano de fundo em quase todas as guerras desde 1945. Lutar contra essa sólida montanha é um trabalho que exige condições que simplesmente desapareceram. Perceber a luta de classes, como se apresenta em 2019, travada entre snobs e humildes, entre intelectuais e indigentes, parece-me uma tarefa muito mais importante do que constatar o óbvio sobre a maioria da classe politica que é, afinal, o perfeito exemplo de uma classe que se julga acima de todas as outras.