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Quando Putin ordenou uma "operação militar especial" sobre a Ucrânia, a força que dispôs no terreno era de tal forma esmagadora que o próprio Pentágono admitiu a queda de Kiev entre o primeiro e o quarto dias da invasão. E a escala dos meios, somada à luz do cerco, não deixa margem para dúvidas: o presidente russo queria a ocupação total da Ucrânia e negociar os termos da capitulação em cima de uma retumbante vitória.
Estas prioridades exigiam, contudo, uma ocupação rápida e bem-sucedida. Mas invadir com uma força de 200 mil homens e equipamento militar destruidor é uma coisa. Outra, bem diferente, é ocupar um país de 44 milhões de pessoas quando quem lá vive não quer ser ocupado.
Foi esse sentimento que o presidente ucraniano soube captar quando, num discurso à nação, 24 horas antes da invasão, apelou à defesa da liberdade e do valor da vida. "Nós vamos defender-nos, não vamos atacar, vamos defender-nos. E quando nos atacarem, vão ver as nossas caras, não as nossas costas, as nossas caras."
Hoje é difícil perceber com clareza o que se passa no terreno. E mais difícil ainda acreditar na resistência de um povo sem a capacidade militar de quem entra pela porta dentro. Mas é claro que as cidades estão a aguentar-se como não se esperaria e que do leste russófilo, que Putin queria libertar, não surgem boas notícias para o libertador.
Zelensky foi o homem que recusou "uma boleia dos EUA" para o exílio, inflamando com as palavras os ucranianos a lutarem pela sua liberdade e independência, inspirando o Ocidente a mobilizar-se, num gesto marcado pelo pedido de adesão à União Europeia assinado dentro de um Parlamento barricado.
Putin ficou a falar com Maduro e Lukashenko, enquanto assegura a tolerância de Pequim. Mas o mundo não é a preto e branco. E este conflito mudou irreparavelmente a geopolítica internacional, a forma como falamos uns com outros, as palavras em que acreditamos.