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Masha Amini era uma jovem de 22 anos. Tinha a vida à sua frente. Natural da cidade de Saqez, no Irão, fez uma viagem à capital do país, a Teerão. Ia visitar família.
Viajar traz sempre entusiasmo, traz sempre descoberta. Atravessou quase 600 quilómetros entre as duas cidades, numa distância que a jovem há de ter feito com um brilho de alegria nos olhos. Imagino-a a beber cada paisagem do caminho, a sonhar-se no feliz momento de reencontro à chegada.
Esta viagem, foi a última que a jovem fez. Num instante, todos os sonhos e promessas da vida aos 22 anos terminaram. No dia 13 de setembro foi detida pela patrulha da orientação, a chamada polícia dos costumes ou da moralidade que serve para vigiar os comportamentos e a roupa das pessoas em todos os lugares públicos, garantindo que cumprem escrupulosamente as regras devidas da suposta moralidade imposta pelo governo islâmico.
De acordo com esta polícia a jovem usava roupa de forma inadequada, isto é, o véu que trazia na cabeça deixava à vista um pouco de cabelo. Foi este o falso crime, o falso sacrilégio pelo qual a jovem de visita à família foi detida. No mesmo dia em que entrou, saiu da esquadra, não pelo seu pé, mas já em coma para um hospital.
Dias depois morreu.
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Desde então os protestos aumentaram naquele país, com muitas mulheres de coragem a queimarem os seus véus na praça pública. A malfadada polícia dos costumes não tem meios para reprimir tantas mulheres a queimarem o véu e tantos homens que as apoiam.
Nisto assenta o princípio da desobediência civil teorizada por Thoreau: se formos tantos a desobedecer a uma lei injusta, o Estado não terá meios para forçar a sua implementação.
No entanto, a repressão também aumentou e além da jovem Masha, estima-se que à data de ontem, mais 31 pessoas tenham perdido também a vida nas manifestações devido à repressão violenta da polícia naquele país.
A liberdade está em risco e a ser ofendida há muitos anos no Irão. Aqueles que o governam instrumentalizam a religião por fanatismo e para obter mais poder e controlo sobre as pessoas.
Este país de gente acolhedora não é exemplo único no mundo contemporâneo cheio de extremos.
E é preciso indignarmo-nos, manifestarmo-nos, pressionar as representações diplomáticas destes países a comunicarem mensagens de mudança urgente, pressionarmos os nossos líderes políticos a que não facilitem relações diplomáticas que não responsabilizem o incumprimento dos direitos humanos.
Este fim de semana aprecie a sua relativa liberdade para andar na rua e para se exprimir, mas não se esqueça por um segundo que aqui, em Portugal, ainda há muito caminho a fazer também.
E que no Irão aconteceu uma tragédia a uma jovem de 22 anos, cheia de vida, cheia de sonhos. O seu pai, a sua mãe, os seus irmãos e amigos não a verão mais.
Por ela e tantas outras e por tanta desigualdade temos de lutar para que os véus da sociedade ou a ausência deles sejam sempre uma escolha e nunca uma imposição.
