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"A partir do próximo dia 1 de abril, a descentralização na Educação estende-se a todo o território nacional. Faço votos que tenha existido diálogo suficiente e profícuo entre as autarquias e as escolas, de modo a haver harmonia num processo que não ganha com conflitualidade, exigindo-se ao governo que assuma pontualmente as suas responsabilidades, principalmente no que ao envelope financeiro diz respeito."
Retomo a descentralização pelo epílogo do meu último artigo nesta coluna, uma vez que, durante a semana, o tema alcançou a magnitude expectável por parte dos media, que se ocuparam sobremaneira a dar eco não só às posições dos sindicatos de professores - FNE e FENPROF, profusamente discordantes em relação ao processo de passagem de competências da administração central para as autarquias, mas também à providência cautelar entregue no Supremo Tribunal Administrativo pela Câmara Municipal do Porto, por motivos dispares.
O facto é que, desde o início, os sindicatos perceberam a perda avultada de influência na sua ação, dada a migração de responsabilidades relativamente ao pessoal não docente para as mãos das autarquias. De um responsável (governo/Ministério da Educação) passou-se para 308! A vida para a atividade sindical complicou-se de modo incomensurável. A questão é perceber se terão capacidade para reverter a situação. Na minha opinião, os argumentos apresentados - colisão com a autonomia das escolas, subfinanciamento das autarquias e criação de assimetrias e desigualdades entre municípios - são secundários para eles, pois ficarem minguados na sua força é, com efeito, o cerne de sua maior preocupação.
As autarquias (algumas?) estão apreensivas (desconfiadas?) com o procedimento da administração central, denunciando a escassez de cabimentação orçamental para fazer face às responsabilidades que lhe serão agora destinadas, manifestando a câmara do Porto a liderança da contestação municipal, assumindo pela via judicial a pretensão de suspender esta transferência "sob pena de risco de paralisação dos estabelecimentos", e, no mesmo sentido, "impedir que se venha a consumar uma grave lesão dos legítimos interesses do município do Porto e de todos os seus munícipes, em especial das crianças e adolescentes que frequentam as escolas públicas do concelho."
As escolas, receosas de perda de competências, pretendem ver reforçadas as ténues margens de autonomia de que dispõem, não intencionando estar dependentes da "sensibilidade que tem a autarquia e até o presidente da Câmara para as questões da Educação". Os diretores de alguns estabelecimentos de ensino lastimam a ausência ou exiguidade de debate e negociação em diversos concelhos, realçando outros em que este constrangimento não se verificou. Prevejo que nos concelhos onde existiu uma ação concertada, amplamente participada e negociada, o processo desenvolver-se-á com naturalidade, permanecendo os devidos espaços de ajustes perante os desafios que a situação apresenta.
Reputo que a chave do sucesso deste processo - merecedor de um pacto entre os principais partidos políticos - reside na clara elaboração da matriz de competências, validando em consciência e rigor as áreas de intervenção de cada um dos envolvidos. Dar-se-á, assim, início a uma parceria de entendimento, tão harmonizada quanto funcional.
Libertando-se o governo de algumas responsabilidades (pessoal não docente, edificado), é necessário que não olvide a entrega atempada (e suficiente) do respetivo envelope financeiro às Câmaras para cumprir com as novas despesas que suportarão, percebendo-se que os autarcas não fazem milagres, exigindo o melhor para as suas populações.