Leia a opinião de Nádia Piazza.
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Em 2017, o Presidente da República passou o Natal na região assolada pelos incêndios de junho. A sua presença foi um foco de luz e esperança no negrume desta região. E com ele vieram muitos e, depois dele, muitos se foram.
Em 2018, o "Presidente dos Afetos", como a jornalista e escritora Cláudia Sebastião designa o seu estilo e mandato a propósito do seu novo livro, Marcelo Rebelo de Sousa vai passar o dia de Natal junto das crianças com cancro internadas em "contentores indignos", no Hospital de São João, no Porto.
Pese embora seja uma presença "apenas simbólica", assinalando a todos que o assunto "não está esquecido", o certo é que o Presidente dos Afetos traz novamente à tona um problema a que não podemos ficar indiferentes.
Pouco faltará para avançar com as obras, garante o Governo, contudo já vem tarde. Tarde demais e já é novamente Natal.
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O tempo do Estado não é o tempo das pessoas e, entretanto, o Sr Manuel Francisco Nascimento morreu. Morreu aos 82 anos e sem ver a sua casinha reconstruída, após o incêndio de outubro de 2017.
Morreu com a amargura de uma pessoa que morre sem deixar legado.
Ecoa-me no ouvido o triste fado:
"Pode haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não"
Ponho-me a imaginar uma criança, debilitada pelos tratamentos de quimio ou radioterapia, quiçá já intervencionada cirurgicamente, emagrecida e pálida, de compleição débil, a trotear ou em cadeira de rodas, a ter que se sujeitar às intempéries para apear-se numa ambulância da sua ala à "bidonville" rumo à nave principal do Hospital de São João, sujeita a uma constipação mortal.
Tão desesperante como o choro retorcido do Sr. Manuel Nascimento, 82 anos vividos, imortalizado pela lente que o congelou.
Em ambos os casos, é de total falta de dignidade dentro de um quadro de grande fragilidade física e emocional das vítimas, e dos seus familiares, impotentes perante a incerteza de haver uma criança para este Natal, porque o Sr. Manuel Nascimento, este sim, já não estará entre nós.