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Faço minhas, nesta crónica, as palavras de Henrique Raposo, em crónica de ontem, no Expresso: "a escolha moral dos média é chocante: cinco milionários a brincar ao Júlio Verne têm muito mais atenção do que 500 miseráveis que naufragaram porque estavam a tentar salvar a vida".
Já não é notícia porque morre gente atravessando o Mediterrâneo quase todos os dias não serve de desculpa. Pelo contrário, aumenta a culpa, de quem dá por assumido que não é possível mudar o destino dos que procuram dar sentido à vida e acabam sepultados no mar. Tudo é reality show, até a morte chega por episódios. É claro que o fim da vida dos miseráveis só é notícia se for em grande número e em circunstâncias pouco habituais. A morte dos ricos, metidos em aventuras, arriscando a vida, indo onde nenhum pobre sonha ir, seja ao espaço, seja às profundezas de um oceano, precisa de menos atores.
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Pode dizer-se que se faz o mesmo quando mineiros ficam presos numa mina, esperando que alguém encontre uma maneira de os tirar de lá, como aconteceu há pouco mais de 10 anos, no Chile. Eram mais de 30, vítimas da necessidade trabalhar para sustentar a família e não vítimas de um snobismo que os leva a gastar fortunas para alimentar a sua extrema vaidade. E, sobre a importância que os média dão a cada um dos acontecimentos, convém chamar à atenção para o facto de, agora, existir uma chocante comparação entre o rodapé da morte de centenas de imigrantes, engolidos pelo mar, e o show montado porque desapareceram cinco milionários. É certo que milhares de mortos são estatística e uma só é um drama familiar. Ninguém dúvida, aliás, que a família de um rico sofre uma perda como a família de um pobre e vice-versa, o resto do mundo é que parece preocupar-se mais com a vida de uns que com a vida dos outros. A questão aqui é sobre o que aprendemos com cada uma dessas mortes. São tantos os miseráveis, num mundo que fabrica e idolatra milionários, que até parece que a vida de um pobre tem menos valor. A morte é a coisa mais democrática do mundo, para cada vida à face da terra há uma morte que lhe está destinada.