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Quando na semana passada, num ato muito pouco democrático, o presidente da Assembleia da República calou a intervenção do deputado de extrema-direita André Ventura por este utilizar demasiadas vezes a palavra "vergonha", colocou-se numa posição em que, rapidamente, poderia ter ele próprio de dar razão ao representante do Chega e sentir vergonha por alguns atos dos partidos que Ferro Rodrigues tem à sua frente no plenário da Assembleia da República.
A notícia de hoje sobre a prescrição das coimas aplicadas aos partidos envergonha todos os partidos portugueses, mesmo muitos dos que estão fora do Parlamento. E, ainda por cima, o que hoje está a ser notícia repete o que se passou em outros anos.
Já há dois anos o Tribunal Constitucional tinha deixado prescrever 400 mil euros de multas a 24 dirigentes de todos os partidos parlamentares e mais seis que concorreram às eleições mas não conseguiram chegar à Assembleia da República.
As multas variavam dos 4.289 a 171.560 euros.
Não era, portanto, uma enorme quantidade de dinheiro, embora a lei admitisse multas mais pesadas que, neste enquadramento, se o Tribunal decidisse sempre pelas penalizações mais elevadas, poderia motivar uma soma de mais de quatro milhões de euros.
O Tribunal Constitucional achava que a lei de então era inconstitucional e queria que a instância que fiscalizava as contas dos partidos e das campanhas deixasse de ser a mesma que fazia o julgamento sobre as irregularidades detetadas.
Ou seja, o Tribunal Constitucional, que era quem tinha esse trabalho, não queria ser, ao mesmo tempo, investigador e juiz das contas partidárias.
A nova Lei de Financiamento dos Partidos foi então aprovada em 21 dezembro de 2017, na última reunião do ano, quase à socapa.
Os partidos passaram então a responsabilidade da cobrança das coimas para a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos mas aproveitaram a nova lei para poderem passar a angariar mais fundos (antes o limite era de 650 mil euros) e para terem a devolução do IVA nas compras que fizessem - o que escandalizou os noticiários de janeiro de 2018.
Em abril deste ano o presidente desta Entidade que fiscaliza as contas partidárias já dizia numa entrevista à agência Lusa que era impossível evitar a prescrição de muitas dessas multas por causa da falta de meios, pois não há pessoal qualificado em quantidade suficiente para garantir os recursos e pedidos de esclarecimento dos multados antes de se acabar o tempo da prescrição - que varia de um a cinco anos, conforme o valor da coima aplicada.
O que hoje se noticia, as novas prescrições das multas aos partidos, está, apenas, a confirmar uma situação que se arrisca a institucionalizar-se, a tornar-se uma espécie de hábito: a Entidade das Contas anuncia que os partidos não cumpriram a Lei do Financiamento que eles próprios criaram há apenas dois anos, há um pequeno sururu nos jornais, na rádio e na TV mas, na prática, nada acontece.
Pior do que ter um político de topo ou um banqueiro corrupto é ter um sistema partidário que manipula e corrompe as leis em seu favorecimento.
Estas notícias dão cada vez mais força a quem já não acredita nos partidos políticos, a quem acha que o regime democrático está estruturalmente corrompido e não tem cura.
Estas notícias, que se repetem todos os anos, só dão força e razão aos Andrés Venturas da política, alimentam uma revolta de quem acha que os partidos são todos iguais e que a democracia, por isso, é uma fraude.
Sim, a notícia de hoje é uma vergonha e se não quisermos que ideias estúpidas e fascizantes como algumas das que o partido de André Ventura defende não tenham futuro, tratem de não lhe dar motivos para ter razão.
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