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Daniel Oliveira concorda com o convite do Governo e Presidente da República para os chefes de Estado dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) participarem nas comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril, em 2024, mas admite que não é uma questão fácil.
"Prevejo uma polémica ao retardador, mas não vejo qualquer problema nisso", declara Daniel Oliveira no seu espaço de opinião na antena da TSF.
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"A ideia de que o 25 de Abril não deve ser divisivo é de quem acha que uma nação pode pensar o futuro, nunca falando seriamente sobre o seu passado. O 25 de Abril sempre foi divisivo, só não seria se o reduzíssemos à conquista da liberdade, e mesmo isso é menos consensual do que parece."
Para Daniel Oliveira, a revolução é indissociável do "salto social que o 25 de Abril representou para a maioria dos portugueses - da saúde à educação, dos direitos das mulheres aos direitos laborais". Caso contrário, teria sido apenas um golpe de Estado. De igual modo, "ignorar a descolonização" implicaria "reescrever a história e passar a comemorar uma mentira".
"O 25 de Abril aconteceu, antes de tudo, para pôr fim à guerra", lembra o jornalista. "A revolução não começou em Lisboa: começou na Guiné, em Angola, em Moçambique. Não começou nas armas de português, mas dos povos colonizados (...) A ditadura caiu por causa da guerra e a democracia não teria sobrevivido um ano se não lhe pusesse fim a ela, e ao colonialismo que a justificava."
Assim sendo, "faz todo o sentido" convidar os Presidentes dos PALOP, argumenta Daniel Oliveira. "A festa do 25 de Abril também é deles, porque contribuíram para a queda do regime, porque fazem parte dos milhões que se libertaram do jugo do Estado Novo e porque sem a sua Independência, a democracia portuguesa seria inviável."
Por outro lado, o comentador não descarta a legitimidade de críticas como as da Amnistia Internacional, "contra a ideia de associar à festa da democracia a alguns chefes de Estado que não acreditam nela", como o angolano João Lourenço, "que persegue opositores" políticos, Filipe Nyusi de Moçambique ou Sissoco Embaló, da Guiné-Bissau,
"Com este tipo de critérios, só poderíamos convidar José Maria Neves", Presidente de Cabo Verde, país que, "com as suas fragilidades, vive condições democráticas plenas", nota Daniel Oliveira. "Mas armarmo-nos em júris dos níveis de democracia destes países seria um insulto à Independência que estes povos arduamente conquistaram."
"Celebrar a nossa democracia e a independência de outros passa por aceitar que eles fazem, como nós fizemos, o seu próprio caminho. Tivemos séculos para chegar à democracia como nação independente, eles apenas tiveram cinco décadas", lembra o jornalista.
Por outro lado, aponta ainda, a participação de representantes dos PALOP no 25 de Abril obrigará ao debate sobre temas difíceis: a guerra, "com todos os traumas e memórias dos ex-combatentes (os de cá e os lá)", e a descolonização - dos retornados espoliados àqueles que foram "obrigados a cortar os laços que tinham com a terra onde nasceram", sem esquecer os "descolonizados de quem teimamos em falar sem nunca realmente os ouvir".
"É possível mexer em feridas sem sentir dor? Não, mas é o que as nações maduras fazem com suas memórias, não recalcam em silêncio para custar menos", frisa Daniel Oliveira. Mesmo que a polarização da sociedade dificulte ainda mais esta reflexão.
"Não é possível celebrar Abril com medo dos seus inimigos ou esquecendo as mágoas que criam clivagens no país. Comemorar é revisitar, não é esquecer ou apagar. Não é possível festejar Abril e o colonialismo ao mesmo tempo. Isso seria trair quem fez a revolução", defende.
Se, por um lado, "esta revisita não se faz espontaneamente", o comentador reconhece que este pode ter sido "um convite pouco preparado". "Talvez despachar tudo de uma assentada, daqui a uns meses e sem preparação, tenha sido demasiado ambicioso", admite Daniel Oliveira.
Texto: Carolina Rico