Nesta década tornou-se viral a pedofilia na Igreja Católica. Tanta moral sexual pregou a Igreja de Roma que essa máquina trituradora, o flagelo que constitui o cerne da questão, haveria de rebelar-se contra ela.
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Não importa que seja verdadeiro ou falso o caso de pedofilia conhecido, mas, se cheirar a clérigo, depressa pula fronteiras para deleite de quem goste de devorar este tipo de presa. Mas para que não restem dúvidas, a pedofilia é um crime hediondo, praticado por quem quer que seja, crente ou não crente, pertencente a instituições religiosas, civis ou militares. A justiça dos tribunais públicos deve ser a meta de qualquer processo judicial. E que não seja nunca pelo volume dos casos. Bastaria um caso (e não mais ou menos dez) para impor a determinante lei da tolerância zero que a Igreja católica decidiu adoptar.
Neste caso, é emblemática a redução ao estado laical (infeliz expressão canónica) de Theodore Mc Carrick, de 88 anos, cardeal-arcebispo emérito de Washington, acusado e sentenciado pela inclemente Congregação para a Doutrina da Fé. Sem apelo nem agravo, o papa Francisco não recuou no castigo, retirando-lhe o título de cardeal (a primeira vez, em quase um século), a administração de sacramentos, o uso de hábito talar e a recepção de qualquer benefício financeiro. Por práticas de abusos sexuais com adolescentes, jovens seminaristas e sacerdotes, o prelado americano foi ainda colocado, há sete meses, num convento, no Kansas, em penitência e oração. É, assim, arrumado da praça pública, sem jamais poder ostentar essa marca prestigiada de "príncipe da Igreja".
Veja-se também o caso semelhante do cardeal George Pell, acusado de abusos, na Austrália. Ele que era a terceira figura da Santa Sé, desempenhando o cargo de ministro das Finanças do Vaticano e membro do núcleo duro do papa argentino.
Não se junta, por acaso, o incidente ocorrido, nestes dias, em Paris, com o Núncio Apostólico, acusado de ostensiva aproximação sexual a um encarregado de serviço doméstico, durante uma cerimónia pública.
Sem esquecer o histórico mais recente, estes casos antecedem a Cimeira no Vaticano, de 21 a 24 deste mês de fevereiro, onde vão estar presentes mais de 130 presidentes das Conferências Episcopais dos cinco continentes, convocados pelo papa Francisco, para abordarem este magno problema da pederastia clerical. Tudo isto acontece na decorrência da Carta Aberta, escrita aos católicos, em Agosto passado, pelo chefe da Igreja Católica.
Esta instituição milenar tem atrás de si a cultura do silêncio com que pretendeu ocultar práticas que a Comunicação Social, global, não permite calar. É nos anos 60 e 70 do século XX a que se reporta a maioria dos abusos sexuais a menores. Foram, então, cometidos todos os excessos criminosos sob os pontificados de Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Durante o governo de Paulo VI, mal foi conhecida esta praga. O papa polaco não atacou decidido a questão. Por seu lado, Bento XVI largou o barco e Francisco não sabe para onde se virar. O mais grave é que esta avalancha constante de acusações de novos casos de abusos sexuais por membros da igreja católica pode não cessar.
Sem concerto, sem credibilidade, continua esta instituição católica a guardar, como uma pérola, um celibato obrigatório agonizante. Aqui pode estar uma das razões indirectas desta pandemia. Francisco não deixa, por seu lado, de verberar o poder abusivo de um clericalismo obsoleto. A Igreja já não é mais uma instituição imaculada. Foi-lhe detectado um dos mais perturbadores cancros. São-lhe aconselhados comportamentos que não toquem nem o ridículo nem o anacrónico. E que se despeça, definitivamente, o poder absoluto sobre as consciências.
*o autor não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990