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"Já conheci estalinistas e fascistas que, apesar das suas opiniões, são pessoas decentes no seu quotidiano", começa por afirmar Daniel Oliveira na sua crónica semanal na antena da TSF. "As pessoas são mais contraditórias do que as suas convicções políticas. Para o mal e para o bem, conseguem, sobretudo se estas convicções não estão ligadas ao exercício concreto do poder, dissociar opiniões e práticas."
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A filiação em determinado partido político não é uma decisão exclusivamente racional - tem também por base a biografia, história e origens de cada um, nota. E mesmo quando se rompe com o passado "há mais do que um mero exercício de razão".
No entanto, considera o comentador "há nos novos movimentos de extrema-direita qualquer coisa de amoral que se afasta da convicção. Há uma ausência de corpo doutrinário que anula a existência de uma ética de ação, por mais retorcida que ela seja".
"Muitos eleitores do Chega limitam-se a usar o voto para libertar as suas frustrações políticas, não acreditam em muito do que o partido diz", aponta Daniel Oliveira. Mas enquanto os eleitores "fazem do destempero dos deputados do Chega uma forma retorcida de fazer chegar ao poder a sua revolta", o mesmo não acontece com as pessoas que recebem esse voto. "O que o une aquelas pessoas é mesmo a ausência de limites éticos no modo de fazerem as coisas", considera.
O comentador diz que não ficou surpreendido ao ler a notícia de que o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, insultou e tentou agredir um árbitro de 18 anos num torneio local de futebol infantil, no Crato. "Basta vê-lo em ação no Parlamento, seja no plenário ou nos corredores, para imaginar que esse é o seu comportamento em todo o lado."
Segundo testemunhou o Expresso, Pedro Pinto também pediu aos jogadores da equipa do seu filho que se atirassem para o chão, com o objetivo de simular lesões que atrasassem o decorrer da partida e evitar, assim, que os adversários passassem para a próxima fase do torneio mesmo tendo vencido a partida.
"Pedro Pinto põe crianças, que representam que ainda pode vir a ser diferente na nossa comunidade, a fazerem o mesmo que fazem adultos ao mais alto nível onde o desporto está comprometido pelo dinheiro e pela ambição muito pouco desportiva de vencer a qualquer custo."
"Não é por acaso que este comportamento choca até pessoas que toleram em jogadores profissionais, porque quando se ensina a falta de ética desportiva a uma criança há uma irredutível desistência de ter uma sociedade diferente. Ensinar uma criança a ser desonesta é uma marca que deixamos para as gerações que seguem."
É este o espelho desta extrema-direita, considera Daniel Oliveira: "São apenas a via mais violenta para desordem neoliberal", fruto do desencantamento absoluto.
"Não são a resposta ao falhanço da democracia, são a sua deprimente consequência, amoral, representam o fim de qualquer esperança num mundo mais justo (...) são a indecência cívica quotidiana como proposta política, a política sem propósito."
Por isto, Daniel Oliveira diz não condenar o comportamento Pedro Pinto fora do Parlamento. Ao contrário do que acontece com outros políticos, "ninguém pode dizer que o líder parlamentar do Chega é uma coisa na política e outro no resto da sua vida"
"Fossem todos tão coerentes com sua proposta política e estaríamos bem melhor", atira.
Texto: Carolina Rico