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Vôo para Lisboa a bordo do Alexandre O"Neill - coisas do mundo de hoje a calharem com tradições do país que somos. Com efeito, dar nome de poeta a um Airbus da TAP que vôa todos os dias pela Europa fora não espanta tanto se nos lembrarmos que o nosso dia nacional, festejado garbosamento pelo Estado todos os anos na capital, nas províncias e no estrangeiro, comemora não uma batalha ganha (ou perdida) ou, como é o caso em França, o assalto pela populaça a pequena cadeia para aristocratas malíciosos e senis - a Bastilha - mas o dia da morte do nosso maior poeta que, em luta contra os mouros perdera um olho e, em naufrágio no regresso do Oriente, lutara contra o mar salvando o seu livro a nado e acabara por chegar ao porto de Lisboa, demandado no fim do século XVI por soberbas naus.
Em cima de uma escrevaninha no salão da minha casa da Rue Darwin em Bruxelas está retrato do Alexandre e meu, na Quinta da Mitra, perto de Évora, sentados frente a frente contra um murete, a rir às gargalhadas de troça que ele fizera de mim, o Gérard fotografara a cores e a Teresa me dera anos depois. Na Rue Darwin (« d, apostrophe... » perguntara o jovem vendedor da Boss, esferográfica em punho para escrever a nossa morada na garantia. Para onde caminhamos, nós os inventores do homem sem Deus ?) Alexandre olha para mim de humor em riste, não vá eu resvalar para solenidades ou pieguices - e no avião continua a vigilância até aterrarmos em Lisboa onde irei directo, primeiro à manicure e a seguir ao dentista, filho e neto de dentistas meus amigos. Indicada pelo Pedro, motorista em Lisboa a que recorro quando lá estou sem carro, como já recorria ao pai dele, Senhor e amigo antigo que nos deixou há alguns anos, a manicure terá entre 35 e 40 anos, de origem goesa e dinheiro próprio, estabelecida na Amadora a cem metros de Benfica, e o estabelecimento chama-se Salão Dulá, nome do pai da proprietária que assim lhe presta homenagem e que, em mim, evoca outras associações, nomeadamente com Dulah Omar, que também já lá vai, advogado de Cape Town, amigo de Nelson Mandela e depois seu primeiro ministro da Justiça, com quem muito me dei na África do Sul e arranjou o meu primeiro encontro com o Madiba, (apesar de alguém no gabinete deste parecer querer que eu esperasse mais tempo).
De lá iremos ao hospital da CUF Descobertas, perto de onde foi a Expo, onde o dentista de quarta geração - não conheci o bisavô dele - que não encontrei ainda espera a minha chegada, combinada com tia dele, minha amiga, comadre e ex-condiscípula no Sábado de manhã, de Bruxelas pelo telefone, depois de dente já falso, uma corôa como dizem no ramo, cair e estar a misturar-se na boca com os corn flakes da manhã quando eu dei por ele - a idade não perdoa. Nos dias seguintes, terei de ir à Fundação Champalimaud e à Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal onde me mimam há muito tempo.
(Nos hospitais belgas ninguém mima Monsieur Pires, nome que sai primeiro dos computadores).