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Da crise política da semana passada, da coreografia preparada pelos vários protagonistas, das palavras que foram ditas e das que não, há, parece-me, um conjunto de evidências, que acabaram ignoradas.
Primeiro, o Governo precisa de uma remodelação profunda e ampla, com mais maturidade no Conselho de Ministros, com escolhas de maior credibilidade junto da população; quem o diz nem sequer são os demonizados "comentadores e jornalistas", mas ilustres socialistas que, olhando de fora ou com mais distância, conseguem ver o que toda a gente vê; mas essa remodelação não aconteceu.
Segundo, João Galamba deveria ter apresentado, outra vez, a sua demissão. Depois da primeira, que António Costa não aceitou, ao escutar as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a sua atuação e responsabilidade enquanto ministro, deveria ter insistido. Bem sei que Paulo Portas tornou revogável o "irrevogável", mas há outras formas de insistir, caso se queira ter a noção do peso das palavras de Marcelo na comunicação ao país. Mas essa demissão não aconteceu.
Terceiro, Marcelo Rebelo de Sousa teria de tirar outro tipo de conclusão, "face ao exposto". Ao assumir que "achava" que havia um certo entendimento sobre a responsabilidade que cabe a cada ministro e ao primeiro-ministro, mas que "afinal não", e que "é pena", fica com um discurso a meio caminho. A segunda parte, "a palavra para o futuro", não corresponde à primeira parte, "uma palavra para o passado". Pelo contrário. Ao lembrar que tem e que não abdica o poder de dissolução, o Presidente da República volta a deixar a ameaça de dissolução, que dependerá sempre da análise política que, em cada momento, decida fazer. Não dissolveu. Nem disse ao primeiro-ministro para trazer a Belém um novo governo. Ficou assim.
Quarto, ao PSD não basta dizer, apregoar, repetir, insistir, que está pronto para governar. Os portugueses precisam de acreditar nisso. E Marcelo também. As sondagens mostram uma tímida consolidação, mas não um crescimento a sério, uma descolagem que permita criar uma "onda", uma vontade de mudança que se perceba que está latente na sociedade. Quem perde votos é o PS, mas quem está a ficar com eles não é, nem só, nem principalmente, o PSD. Dizer que não se "teme" eleições, mas "não as pedir" dá um sinal contrário ao eleitorado. Em que ficamos, afinal? O PSD considera que o PS está a governar mal, e por isso deve haver eleições o mais depressa possível, ou o PSD está pronto para governar e, portanto, se está pronto, quem tem medo de eleições?
Quinto, sejam quando forem, as próximas eleições vão revelar um crescimento de um partido que, aparentemente, ninguém quer que cresça. Mas, também por tudo o que fica escrito atrás, não vale vir depois fazer de conta que não fomos todos avisados; de que os sucessivos erros, políticos, discursivos, de forma, de conteúdo, de análise, de perceção, erros de facto, não têm, como disse o Presidente da República, um preço a pagar. A desresponsabilização é um dos pastos favoritos para crescimentos exponenciais de quem se alimenta exatamente disso: dos erros, das omissões, das águas paradas, da paz podre, do "deixa-andar". É como ficar espantado com os números da abstenção e nada fazer para os contrariar.
Tudo o que aconteceu na semana passada não augura nada de bom para o que aí vem. Há muito que Marcelo Rebelo de Sousa avisou. "O que aí vem não é bom." Tinha razão.
