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As manifestações no Irão duram há meses. Exigem o respeito pelos direitos da mulher, e quando se pede respeito pelos direitos da mulher, pede-se respeito pelos direitos de todos nós.
Começou há vários meses pela morte de Mahsa Amini, uma jovem que foi de viagem a Teerão e foi presa e, ao que tudo indica, espancada até à morte pela polícia dos costumes só por ter o seu hijab mal colocado na cabeça.
Tantos sonhos se desfizeram com esta perda tão grande.
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Tanta dor e revolta que foi para as ruas a seguir, manifestar-se.
Tanta violência com que as autoridades reprimem as pessoas que vão para a rua protestar aquele mundo que tem de mudar e sonhar com um outro, mais digno, para todas as pessoas.
Nos últimos meses centenas de pessoas morreram na sequência da violência sobre estas manifestações pacíficas. Entre elas, mais de 40 crianças perderam a vida, e muitos, jovens ou mais velhos, foram também presos e presas.
O parlamento iraniano apelou recentemente aos tribunais que sejam céleres em alguns dos julgamentos, concluindo-os rapidamente e com castigo de pena de morte. As acusações são formuladas de forma vazia com expressões como "corrupção na Terra" ou "inimizade contra Deus".
Não consigo imaginar maior heresia que condenar alguém à morte por inimizade contra Deus, como se a amizade com quem quer que seja, pudesse existir sem ser livre.
Deste apelo da maioria dos parlamentares, bem se percebe que não existe independência da justiça e que os tribunais naquele país pouco mais são que um formalismo de vingança do poder político.
Noutras paragens aconteceu o mesmo. Na China - desde Ürümqi a ocidente, até Xangai no oriente - aconteceram manifestações como não se tinha visto ainda este século, de uma ponta à outra daquele vasto país, chegando mesmo a ultrapassar-lhe fronteiras para o Tibete.
Também estas manifestações pacíficas de milhares de pessoas, quer nas redes sociais digitais fortemente controladas, quer nas ruas, de igual modo vigiadas se relevam de audaz coragem e desapego.
As pessoas manifestaram-se em solidariedade pela morte de dez pessoas num incêndio num edifício alvo de confinamento em Urumqi, na região de Xinjiang. Recordaram que os últimos 100 dias destas vítimas foram passados em confinamento obrigatório e total.
Recordaram que a falta de liberdade naquele país é permanente e não apenas uma questão de política de COVID zero extrema.
Recordaram que o poder absoluto de Xi Jinping pode ser contestado a céu aberto.
Recordaram que sabem que o poder ali é repressivo, omnipresente e vigilante e que arriscam muito quando mesmo assim não se calam e vão para a rua. Arriscam o sofrimento físico, a violência excessiva das forças da autoridade, as penas de prisão de vários anos.
Mas mesmo assim, não houve silêncio nas ruas do Irão, não houve silêncio nas ruas da China. Há bens que são muito maiores que o medo.
Por lá - naquelas ruas - andaram a esperança e a coragem, andaram de mão dada a correr.