A opinião do diplomata e escritor José Cutileiro
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Vinda de iniciativa séria e respeitada, a notícia enriquece pela variedade a lista habitual de triunfos pátrios. Não tenho nada contra o futebol ou qualquer outro desporto/espectáculo de sucesso (há muitos anos Bernard Shaw escreveu que a maioria dos seus compatriotas - ingleses - estaria de acordo em considerar que o Arcebispo de Cantuária tinha mais valor do que um campeão do mundo de boxe; a dificuldade estava na quantificação: quantos campeões de boxe valia um arcebispo? Ou, adaptando ao Portugal de hoje, quantos pontas-direitas vale um cardeal? O problema é que quem decide nestas coisas - já decidia no tempo de Shaw mas sem tanta desenvoltura - é o mercado e nele as contas são ao contrário: quantos cardeais seriam precisos para pagar um ponta direita? Aí é que está o busílis e está também a razão pela qual os Estados Unidos da América - com uma única hierarquia, a do dinheiro - não poderão nunca ser modelo do mundo por muito que se goste de Coca-Cola, de Ella Fitzgerald ou de Frank Lloyd Wright, entende amigo sagaz que viveu lá muito mais tempo do que eu).
Felizmente a questão não se põe quanto à distinção de ser classificado a 10ª democracia do mundo porque esta abrange todos nós, incluindo a leitora e incluindo-me a mim (Porquê Mário? Porquê Cesariny? Porquê, ó meu Deus, de Vasconcelos? - vem-me à cabeça nesta altura). O que a distinção traz, isso sim, é a obrigação de melhorarmos ainda mais. Por muito que continue a pesar a alguns dos nossos pedagogos, a concorrência não é pecado e faz bem a quem se mete nela. Sendo mais importante de tudo a level playing field, isto é, para ricos e pobres, altos e baixos, espertos e burros, as mesmas condições à partida, sem cunhas (Portugal); Old boys net (Grã Bretanha); Guanxi (China).Há excepções de resistência: lembro-me, era eu miúdo, em concurso de carreira hospitalar, o Zana Mello e Castro retirar candidatura quando a PIDE impediu colega esquerdista de concorrer. Já não há PIDE, continua a haver gente honrada mas excepções à prática má continuam a ser poucas.
E deveriam passar a ser muitas porque, escreve-me leitora, a corrupção é um dos piores males do mundo: "Primeiro pelo mal directo que causa, ao fomentar os outros males todos, segundo porque é praticamente impossível de eliminar em tempo útil, terceiro porque desencoraja e tira a esperança às pessoas de que seja possível fazer as coisas de outra maneira sem ter de se arrancar o sistema pela raiz.
"Eles (políticos, governantes) são todos iguais" deve ser um dos poucos sentimentos verdadeiramente comuns a toda a humanidade".
Tarefa hercúlea? Talvez mas rombos nos privilégios de ricos e afins perante o poder político, impensáveis há 10 anos, ajudaram a chegar ao 10º lugar; a renomeação de Joana Marques Vidal talvez ajude a guindar-nos ao 9º - brinca brincando, felizmente bem longe da definição de República atribuída ao monárquico Voltaire: "Le malheur de chacun pour le bonheur du tout".
José Cutileiro publica originalmente este Bloco de Notas no blogue Retrovisor. O autor não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.