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Há um concurso desportivo muito famoso nos EUA que se chama American Ninja Warrior. Foi lançado em 2009 e passados dez anos continua no topo das preferências do país onde se vê mais televisão. Consiste num percurso de obstáculos complicado, que uma série de "atletas" tenta ultrapassar até tocar uma campainha que dá ordem para soltar o fogo de artificio, chegados à ultima plataforma. O prémio final é um milhão de dólares. Espero, no caso de nunca terem visto este programa, que fiquem com a ideia.
Todos os Portugueses, em geral, são um bocadinho guerreiros ninjas, mas infelizmente as plataformas aqui são diferentes. Perdemos sempre porque existe sempre mais uma com a qual não contávamos, e, claro ainda pagamos no fim, em dinheiro vivo. Todos pensamos viver num País alfabetizado ao nível do que são as linguagens do futuro, que são tão, mas tão apressadas que já se aplicam no presente, por despacho, sem preparação nem por parte dos "utilizadores", nem por parte de quem as programa. O "simplex" de Sócrates é complex e a aproximação do Português comum à nova maneira de fazer as coisas não é um facto consumado, longe disso.
É certo que os jornais celebram os 1.400 bravos ninjas que para não se meterem em filas, "tiraram "o cartão de cidadão online. Não percebo o motivo para cantar esta vitória. Tudo bem que são menos 1400 pessoas que poupam tempo e dinheiro à Administração Pública e a si próprios, mas em 2019, com redes sociais de marcas e artistas a atingir marcas na casa dos milhões, este número só confirma que há um problema de infoexclusão em Portugal e que se está a trabalhar apenas para um nicho
O portal da AT, por exemplo, parece-me bem mais utilizado, mas sobretudo porque muita gente, sem tempo ou talento para tanta exigência burocrática, delegou em profissionais (TOCs) o seu processo fiscal. É uma alternativa mais cara mas que também revela que não é assim tão facilmente quanto se pensa, que se resolve uma divergência, que se é notificado de uma multa (alguém aqui, no seu perfeito juízo, vai todos os dias ver a sua caixa VIA CTT?), e tantas vezes acabamos por ter de ir à mesma às Finanças para que alguém de carne e osso se entenda com o sistema, porque nós já tentámos de tudo. História idêntica para o site da Segurança Social que sendo exaustivo, nem assim contempla várias situações importantes, em concreto, para quem trabalha a nível Europeu.
Quando entramos no mundo da Medicina, e dos serviços online do SNS, aí a selva adensa. A explicação também se encontra no universo de utilizadores, mais velhos, mais doentes ou incapacitados, sem dinheiro para deslocações mas que por não terem e-mail ou computador, tem de andar de um lado para o outro, a recolher papelada tal qual era aqui há uns valentes anos. Quando recebo uma receita por SMS e a mostro à farmacêutica que a "scana" com o seu aparelho, não consigo deixar de pensar na Avó Graci, que nos ajuda cá em casa, e não tem um minuto de sossego, sempre de um lado para o outro, à busca de uma autorização médica, dum subsidio de apoio ao cuidador, dum favor de uma técnica de saúde.
Pouco mais que uma comodidade, a utilização das novas tecnologias são uma alternativa a sério apenas para um número de Portugueses que julgo não estar em maioria. Algumas das energias para criar novas plataformas, alguns dos grandes recursos financeiros em jogo, deviam ser canalizados para um cuidado mais à medida de quem o procura. Os nossos doentes, os nossos velhos, a sua grande maioria, não tem página no Facebook. Os seus filhos, todos nós, não temos tempo, nem estamos com eles o tempo suficiente para os ajudar convenientemente. Estamos demasiado ocupados com as nossas próprias plataformas e planilhas. A usar uma por cada autarquia, que a regionalização aí já chegou, e cada cabeça sua sentença e orçamento, o que resulta numa enorme confusão burocrática. Ou então, porque perdemos os vinte minutos que tínhamos guardados para fazer um e-mail aos nossos pais, a ver "cenas" no YouTube, a única coisa da net que para bem e para o mal ainda é verdadeiramente democrática.
Saltar entre plataformas, mesmo que virtuais, é coisa para pessoas de boa saúde, para atletas do teclado. Ignorar o país que fora de forma, doente e sem tempo, dinheiro ou idade, se arrasta entre hospitais, farmácias e clínicas é o mesmo que os empurrar para o fosso que se abre, cheio de água suja, entre as malditas plataformas.