A TSF convidou especialistas a analisarem o OE2018. Hoje, escreve Carlos Lobo, partner da EY, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
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A Proposta de lei do Orçamento do Estado para 2018 assenta sobretudo num princípio basilar de estabilidade e de rigor. Tal é imediatamente apreendido quando os pressupostos financeiros são extraordinariamente audazes - um défice de 1% era algo considerado utópico até há pouco tempo - conjugado com um movimento estável de crescimento económico (2,2%).
A aposta na redução do IRS para os escalões mais baixos é evidente. Essa "devolução" é efetuada de forma seletiva. Uma arquitetura articulada que se subdivide em dois novos escalões, de taxas (com o desdobramento do 2.º e 3.º escalões, com taxas de 23% e 35%, respetivamente, quando as anteriores eram de 28,5% e 37%); e de atualização de mínimo de existência (que passa de euro 8.500,00 para euro8.847,72), originando uma natural redução de tributação centrada nos agregados familiares com rendimentos brutos situados entre euro 10.000,00 e euro 40.500,00.
O principal mérito desta opção é o seguinte: traduz-se na redistribuição dos proveitos fiscais resultantes do crescimento económico (o denominado Plano A do Governo) e não decorre de um qualquer prejuízo provocado a outro grupo de contribuintes alegadamente mais favorecidos. Consegue-se, assim, melhorar a situação de alguns, sem prejudicar os demais. Ora, este pressuposto paretiano é dogmaticamente neutro, e por isso, inatacável. Por outro lado, essa redistribuição é igualmente efectuada na perspectiva intergeracional. O que quer isto dizer? Poderia dizer-se que essa folga poderia ser empregue na concretização de um valor de défice próximo dos 0%. Mas será que tal é necessário? Devido à crise financeira, esta geração encontra-se a pagar as dívidas dos seus pais e as dívidas dos seus filhos. É, portanto, injusto que suporte de forma desproporcionada os encargos do ajustamento. Ora, um valor de défice de 1% conjugado com uma redução da dívida pública para 126% parece-me totalmente justificado.
Uma outra novidade relevante reside na tendência de aproximação do tratamento fiscal dos titulares de rendimentos da categoria B com o regime aplicável à categoria A, cuja tendência deverá acentuar-se nos próximos anos. A previsão de um mínimo de subsistência em sede de categoria B era algo solicitado desde 1989, ano da Reforma Fiscal que introduziu o IRS. Existe, no entanto, uma novidade relevante em sede de regime simplificado de tributação. Quem quiser obter um coeficiente de dedução superior terá de selecionar no portal do e-fatura os custos relevantes. O que dizer sobre esta modificação? Ora, o regime simplificado sempre se constituiu como uma metodologia técnica de tributação, não como um benefício fiscal.
Assim, quem criticar a medida referindo que tal irá originar receita adicional para o Estado, está a esquecer que essa receita adicional só resulta porque o sistema não estava a funcionar de forma correcta. Efectivamente, nunca foi objectivo do sistema simplificado favorecer uma qualquer classe de contribuintes relativamente aos demais. O que se pretendia era a simplificação dos custos de compliance. Havendo agora uma metodologia fácil de validação das despesas, é natural que seja utilizada para afinar os níveis de dedutibilidade. Simultaneamente, obtém-se dois outros efeitos: i) a curto prazo, a redução da evasão fiscal uma vez que concede um incentivo adicional para a solicitação de faturas a sujeitos que, pela técnica fiscal inerente ao regime simplificado, não necessitavam delas; ii) a médio prazo, o encerramento do circuito transacional, permitindo-se à Administração Tributária o integral conhecimento da cadeia de rendimentos e de despesas dos sujeitos passivos, o que possibilitará o pré-preenchimento das declarações fiscais. O regime simplificado ficará menos simplificado, mas continuará a ser uma metodologia válida do ponto de vista fiscal.
Todas estas medidas, conjugadas com o aumento das pensões, demonstram claramente a opção do governo na eleição do IRS e da devolução do rendimento às famílias como a opção basilar desta proposta de Lei do Orçamento do Estado.
Um ponto menos positivo a salientar foca-se na atualização das taxas dos IEC, como o IABA, ao valor da inflação, sendo que, no caso das bebidas alcoólicas, é já evidente a tendência de redução da receita à medida que as taxas do imposto aumentam. De facto, a comprovar-se que a um aumento de taxa corresponde uma redução da receita estar-se-á a violar o princípio de legitimação desses impostos: precisamente a angariação de receita. Nos últimos anos, essa tendência tem vindo a acentuar-se. Ora, o não desenvolvimento de um stand still tributário, à semelhança do que ocorreu no Reino Unido e na Dinamarca, irá fazer aumentar o diferencial actual com Espanha (a taxa portuguesa é um terço mais elevada que a espanhola), asfixiando os produtores portugueses de base local, e incentivando o consumo desregrado fora dos locais clássicos de consumo (o famoso botellón).
Em síntese, a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2018 aparenta-se positiva, em termos de saldo líquido, procedendo a uma efetiva devolução de rendimentos na ordem dos 400 milhões de euros para os contribuintes mais desfavorecidos, acrescidos de mais de 500 milhões de euros em actualização das pensões. Aguardemos as necessários reformas estruturais do Estado para tornar esta tendência de ajustamento durável e sustentável.