A opinião de Luís Marques, Country Tax Leader da EY.
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A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2019 (PLOE2019) foi apresentada na Assembleia da República no passado dia 15 de outubro de 2018 pelo Governo liderado por António Costa, isto no último ano da presente legislatura.
Aquele documento foi apresentado num contexto económico favorável, o qual é confirmado pelos últimos dados macroeconómicos divulgados, os quais dão conta que em 2019 Portugal vai ter um crescimento de 2,2% do PIB (um pouco acima das previsões apontadas por outras entidades oficiais, como por exemplo o FMI que estima um valor mais baixo, i.e., cerca 1,8%), onde se irá registar um défice orçamental de 0,2%, (o mais baixo das últimas décadas), e em que a taxa de desemprego se irá situar na casa dos 6,3% e a dívida pública se irá cifrar em cerca de 117% do PIB.
Muitas têm sido as vozes, especialmente da ala política que se opõe ao Governo, que têm vindo a afirmar que a PLOE2019 é claramente eleitoralista, em face das eleições legislativas que se irão realizar em 2019.
É sempre possível poder tirar essa uma ilação, numa perspetiva jornalística e, especialmente, política, num orçamento do estado apresentado por um Governo num ano pré-eleitoral.
Contudo, é evidente que a PLOE2019 assenta numa estratégia que tem vindo a ser adotada pelo Executivo ao longo dos últimos anos e que consiste numa reposição gradual e consistente de rendimentos dos contribuintes, sendo ainda visível de registar alguma preocupação de garantir alguma estabilidade fiscal a todo o processo orçamental. Este último aspeto é evidente, pois o conteúdo da PLOE2019 mostra que não estamos perante um processo de reforma fiscal, como era apanágio no passado em outros processos orçamentais.
Neste contexto, constata-se, por um lado, a intenção clara de promover um aumento dos salários dos funcionários públicos, e, por outro lado, proceder a aumentos extraordinários das pensões, sendo que neste caso foi garantido um aumento mínimo de 10 euros para as pensões mensais até 643,35 euros. É ainda de destacar a possibilidade de os manuais escolares passarem a ser gratuitos até ao 12º ano de escolaridade e uma redução da propinas do ensino superior.
No plano fiscal, constata-se a existência de algumas medidas que visam provocar algum alívio (ainda que de forma não muito relevante) nas famílias, tais como a incidência a retenção na fonte de IRS da parcela de rendimentos relativa ao trabalho suplementar, de forma autónoma (que em termos de carga fiscal, nada mudará sendo apenas um efeito meramente financeiro), o alívio de 50% no IRS relativamente a contribuintes que tenham estado fora do País nos últimos três anos (i.e. até 2018), alguns incentivos para estudantes que decidam instalar-se nas zonas do interior do País e benefícios fiscais em resultado da aplicação de valores em planos de poupança floresta (neste caso ainda em forma de autorização legislativa), em que os contribuintes podem ter uma dedução correspondente a 30% dos montantes aplicados com o limite máximo anual de 450 euros.
Podia-se ter ido mais longe? Talvez. De acordo com um Survey realizado pela EY recentemente a propósito de alterações que poderiam ser contempladas pelo Executivo na PLOE2019, poder-se-ia, por exemplo, voltar a reintroduzir o quociente familiar, de forma permitir um maior nível de equidade, e eliminar a taxa adicional de solidariedade, dado que o contexto económico adverso que justificou a sua criação já não se verifica.
Não obstante, os escalões do IRS não são atualizados para 2019 o que provoca um efeito negativo ao nível da carga fiscal das famílias.
Há ainda a destacar a menor incidência tributária do IVA no fornecimento da eletricidade em determinada tipologia de potência contratada (i.e. potências baixas), na qual se prevê a incidência à taxa reduzida de 6% por comparação aos atuais 23%, ainda que se trate, para já, de uma alteração legislativa. Resta saber se as alterações que a entidade reguladora (i.e. a ERSE) possa vir a contemplar nas tarifas não anulam (total ou parcialmente) o efeito provocado por essas medidas de alívio fiscal. Algumas vozes indicam que de facto, em última análise a fatura da eletricidade não irá baixar. A ver vamos se assim é.
Ao nível das empresas, não existem medidas estruturais significativas derivadas da apresentação da PLOE2019. Talvez uma das medidas mais mediáticas (e mais "amiga" das empresas) respeita à possibilidade de os sujeitos passivos de IRC poderem agora, em determinadas circunstâncias, solicitar a dispensa da obrigação de efetuarem o pagamento especial por conta. Trata-se de uma medida há muito desejada (e há muito contestada pelo tecido empresarial) que agora se vê finalmente contemplada. Contudo, do lado menos positivo, regista-se um agravamento considerável na tributação autónoma aplicável à utilização de viaturas ligeiras de passageiros e outras previstas na lei (37,5% no caso de viaturas com custo de aquisição superior a 35.000€) e de despesas de representação.
E aqui, havia margem para ter sido mais arrojado? Fica essa ideia. Fica a perceção que talvez o Executivo pudesse ir mais longe, como por exemplo, continuar a trajetória do decréscimo da taxa nominal do IRC, tal como se encontrava previsto no projeto de reforma tributária em 2014 ou mesmo ponderar sobre uma eventual redução da Derrama Estadual, dado que, igualmente neste caso, o carácter excecional que justificou a introdução desta medida já não se verifica atualmente.
Ao nível do imposto do selo merece um destaque especial a forte subida registada ao nível da incidência tributária incidente nas operações de crédito ao consumo. Penaliza-se, pela via fiscal, a crescente tendência de aumento do consumo que temos vindo a registar em Portugal nos últimos tempos.
Ao nível do IVA, e para além do que já foi referido supra sobre a temática da eletricidade, há ainda que destacar a incidência das atividades culturais (excluindo as atividades tauromáquicas) à taxa reduzida de 6% (ao invés dos atuais 13%) e ainda o fim da isenção aplicável aos artistas tauromáquicos. Este facto, resulta de alguma pressão cada vez mais evidente no sentido de penalizar, pela via dos impostos, espetáculos desta natureza. De igual modo, prevê-se que a incidência à taxa reduzida de 6% a determinados bens para fins oncológicos.
É ainda relevante assinalar o facto de se prever um conjunto de alargado de várias diretivas comunitárias que irão promover uma maior harmonização comunitária ao nível do IVA, nomeadamente no que concerne ao tratamento a conferir aos chamados "vales de desconto".
Nos impostos especiais, assiste-se à contínua tendência de onerar o tabaco e as bebidas açucaradas, sendo que neste último caso assiste-se a uma tributação acrescida para as bebidas cujo teor de açúcar exceda 80g por litro, sendo o imposto devido de 20€ por cada 100 litros.
Finalmente, ao nível dos impostos sobre o património, destaca-se apenas o efeito financeiro ao nível do IMI em que contribuintes que tenham um valor de imposto anual superior a 500 euros poder efetuar o respetivo pagamento em três prestações, ao longo dos meses de maio, agosto e novembro.
Em suma, por tudo o que foi anteriormente exposto, constata-se que a PLOE2019 contempla algumas alterações mas não a um nível que nos leve a pensar que estamos perante um orçamento do estado reformista de um ponto de vista tributário, sendo certo que as famílias poderão ter algum desagravamento fiscal ao nível dos impostos diretos. No essencial, será expectável que a carga fiscal global se mantenha aos níveis atuais e que, no final do dia, os Portugueses possam sentir que, pelo menos, o OE 2019 não irá aumentar a fatura fiscal global.