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Daniel Oliveira fala das eleições do PSD que decorreram no passado sábado, considerando que "Luís Montenegro venceu sem sentir a necessidade de apresentar uma ideia ou participar num debate, numa candidatura totalmente virada para dentro".
No seu espaço habitual de Opinião na TSF, o jornalista explica que este resultado "é o retrato da fase que o PSD vai atravessar". "Ninguém acredita que este é o homem que um dia levará a direita para o Governo. Acreditarão que será o responsável de tudo por aproveitar cada caso e cada escândalo, que seguramente nos será oferecido por esta maioria absoluta, que tentará desgastar o Governo. Mas a sua escolha mostra que o PSD ainda não tem a ambição de construir uma alternativa", defende Daniel Oliveira, sublinhando que "Luís Montenegro foi eleito quase sem se dar por isso, até o resultado ser finalmente notícia, quando esmagou Jorge Moreira da Silva".
O comentador critica a forma como os órgãos de comunicação social acompanharam estas eleições dos sociais-democratas. "É verdade que o bombardeamento noticioso diário com a guerra da Ucrânia, muito para lá da informação que há para transmitir, dizimou todos os outros temas relevantes, incluindo o regresso em força da Covid, a votação do Orçamento do Estado ou a crise inflacionário. É natural que a disputa interna do PSD não tenha tido o destaque de outros tempos. Mas há limites."
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Ninguém acredita que este é o homem que um dia levará a direita para o Governo
"A indisponibilidade de Luís Montenegro para o debate ajudou ao desinteresse. Preferiu deixar a coisa entregue à mercearia interna da cacicagem a que se dedica desde que Rui Rio foi eleito, mantendo-se distante dos eleitores do PSD", afirma Oliveira, assinalando que "é interessante comparar a benevolência geral com Montenegro com a indignação opinativa jornalística que se sentiu quando Rui Rio fez o mesmo". "Jorge Moreira da Silva, por seu lado, parece ter acreditado que bastaria apresentar um programa de Governo para os militantes irem a correr votar nele e não no homem que há seis anos anda a conspirar pelo país fora. Por isso, Montenegro não quis debater. Para quê ir ao debate onde não tem nada para dizer, quando levou tantos anos a trabalhar no terreno em que é competente?", questiona. "Tão competente que conseguiu há uns meses rasteirar Paulo Rangel, desmobilizando os seus apoiantes e impedindo que ele lhe tirasse a oportunidade de suceder a Rui Rio", acrescenta.
O PSD ainda não tem a ambição de construir uma alternativa
O jornalista diz que Luís Montenegro tem "talento" para o confronto interno, "mas isso não lhe dá, como nunca deu a nenhum líder no passado, qualquer vantagem externa". "E repete todos os erros que têm deixado o PSD bloqueado."
Na perspetiva de Daniel Oliveira, "Montenegro não percebe que Passos Coelho, fazendo parte de uma história que o PSD não deve renegar, não é um legado que traga boas memórias aos portugueses. Pelo contrário, é a razão para o desgaste do partido em setores sociais que eram eleitoralmente estruturantes para a direita e que nunca mais foram recuperados". "O PSD julga que Passos Coelho é um lembrete para José Sócrates. Mas Passos Coelho é apenas um lembrete para Passos Coelho. A diferença é que o PS superou Sócrates e o PSD não há maneira de superar Passos", frisa.
Luís Montenegro foi eleito quase sem se dar por isso, até o resultado ser finalmente notícia, quando esmagou Jorge Moreira da Silva
De acordo com o cronista, Montenegro "não percebe que um dos grandes problema de Rui Rio foi nunca ter fechado, sem hesitação, qualquer possibilidade de entendimento com o Chega". "Ele acha que o Chega é visto como o PCP ou o Bloco. Isso pode ser verdade para muitos eleitores atuais do PSD, não é para os eleitores que o PSD tem de conquistar. Votaram num PS que se entendeu com Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, têm medo de votar em quem se possa entender com André Ventura. E têm razão", atira.
Montenegro não quis debater. Para quê ir ao debate onde não tem nada para dizer, quando levou tantos anos a trabalhar no terreno em que é competente?
"Montenegro acredita que o espaço do PSD é o espaço não socialista. Para além de assumir, assim, que há uma familiaridade com a extrema-direita, a convicção diz bem da confusão ideológica de um partido que se diz social-democrata, correndo historicamente coincidente com o chamado 'socialismo democrático'. Mas ainda diz mais do vazio. O PSD não consegue ser nada. É só contra alguma coisa. E essa também é a maior limitação de Montenegro", reforça Daniel Oliveira.
Para o jornalista, "Jorge Moreira da Silva não é muito entusiasmante, mas sempre tinha coisas para propor". "Os militantes acham que basta fazer oposição violenta para liderar o PSD. Até são capazes de ter razão para quatro anos de travessia no deserto. Mas isso não constrói o líder de uma alternativa para daqui a quatro anos. João Cotrim de Figueiredo faz melhor e está no lugar onde isso pode ser feito: a Assembleia da República", completa.
O PSD julga que Passos Coelho é um lembrete para José Sócrates. Mas Passos Coelho é apenas um lembrete para Passos Coelho. A diferença é que o PS superou Sócrates e o PSD não há maneira de superar Passos
Oliveira explica ainda que há duas razões para a "indiferença" com que a campanha interna do PSD foi acompanhada. "A primeira é toda a gente ter percebido que estávamos perante a escolha de um líder a prazo, que será devidamente derrubado se daqui a quatro anos e meio e dois congressos cheirar a poder. A não ser que haja uma hecatombe social e económica e António Costa dê o dito por não dito e fuja para a Europa, é difícil que este líder dure até às próximas eleições, que, de qualquer das formas, estará longe do parlamento enquanto Ventura e Cotrim de Figueiredo tratarem da oposição a António Costa pela direita. Depois, há a sensação de que o PSD pode deixar de vir a ser, a prazo, alternativa ao PS. Estes quatro anos de maioria absoluta, num quadro económico e social que promete ser dificílimo, com uma direita radicalizada e balcanizada, e um PS instalado no centro, podem acabar com uma reconfiguração do sistema partidário, deixando ao PSD um papel menos relevantes do que tinha até aqui."
O PSD não consegue ser nada. É só contra alguma coisa. E essa também é a maior limitação de Montenegro
E, assim, o comentador conclui: "Desde que a Iniciativa Liberal e o Chega entraram no parlamento e que um partido fundador da democracia foi eclipsado, que se fala do risco do desgaste estrutural do PSD no meio de uma profunda restruturação da direita, que alguns otimistas, com pouca atenção ao que se passa no resto da Europa, atribuíram a Rui Rio. É possível que este desgaste estrutural não seja apenas um risco, ele pode já ter começado de forma irremediável."
* Texto redigido por Carolina Quaresma