Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Emmanuel Macron: três líderes, três ideologias, três discursos. O mesmo silêncio.
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Foi pura coincidência. Mas três distintos representantes mundiais da direita, da esquerda e do centro fizeram esta semana três discursos nos quais apresentaram a sua visão da política para uma plateia internacional.
Jair Bolsonaro recebeu um palco especial em Davos para uma plateia planetária. Na Suíça, foi tratado como um dos novos líderes da direita. O brasileiro Fernando Haddad discursou na Baixa de Lisboa, para uma audiência composta maioritariamente por militantes de esquerda. O presidente centrista Emmanuel Macron, por outro lado, reuniu, em Paris, 150 empresários de elite, em torno dum discurso pró-globalização sobre o papel da França no mundo.
Com vocações diversas, os três discursos ajudam a esboçar o papel da direita, da esquerda e do centro nos tempos modernos.
Bolsonaro foi Bolsonaro. Falhou na forma e no conteúdo. Mostrou nervosismo e provincianismo. Ofereceram-lhe 40 minutos, mas falou apenas 6 para subtrair os riscos da exposição pública. Nos 34 minutos de silêncio, Bolsonaro poderia ter aproveitado para apresentar uma mensagem imperativa sobre o seu governo e sobre o Brasil. Se quer convencer o mundo de que, de fato, é um líder de direita, deveria de ter exposto corajosamente os cânones da sua matriz ideológica e os programas do seu governo que a refletem. Mas o seu discurso foi acriançado, mais apropriado a um jovem guia turístico do que a um estadista. Todo o governo que o acompanhou, incluindo os seus principais ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, que deram munição ao seu discurso, também falharam. Mostraram que têm mais sapato do que pé.
É também estranho que Bolsonaro fique 4 dias em Davos, com uma agenda repleta de espaços vazios. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, que o acompanhou, nem participa na programação oficial do evento, uma verdadeira excentricidade para uma autoridade em missão oficial.
Quem mirava Bolsonaro como um líder de direita, não conseguiu disfarçar o seu desencantamento. A direita brasileira não tem comandante. E a direita global, sem conseguir renovar-se ou aperfeiçoar-se nas últimas décadas, está a ser desafiada por um populismo superficial, sem caudal ideológico nem densidade moral. A Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy sucedeu
politicamente Marine Le Pen, como a representante da direita francesa. Em Espanha, o herdeiro de Aznar e Rajoy é cada vez mais o movimento de extrema direta Vox e não exclusivamente o atual presidente do PP Pablo Casado. É como um tigre parir um gato.
No discurso feito no mesmo dia à noite, Haddad disse que "o Brasil nunca foi tão mal representado em Davos" e que "Bolsonaro não consegue elaborar uma frase com dez palavras." Ao carregar nas ironias e apesar das críticas preconceituosas contra o presidente eleito por 58 milhões de brasileiros, Haddad foi aplaudido e tratado como uma celebridade pela militância. Mas o que chamou a atenção foi a parte final do seu discurso, quando fez mea culpa em nome da esquerda por não ter conseguido "apresentar alternativas ao neoliberalismo ou à extrema-direita."
Haddad tem razão. A esquerda ocupou uma parte significativa da história do século XX, com o domínio da União Soviética na Europa central, com regimes apoiados por Moscovo espalhados pela Ásia e África, com o comunismo autoritário chinês, com a social-democracia escandinava e com o desenvolvimentismo latino americano. Foi uma biografia cheia de sucessos e fracassos.
Mas a sua criatividade artística esgotou-se na década de 80. Os grandes textos filosóficos da esquerda, aqueles que indicam a estrela polar para o combate às desigualdades sociais, são museológicos perante as necessidades de entender a robotização do mercado de trabalho ou a substituição das hierarquias pelas redes de poder.
"É tempo de forjar uma nova utopia, é tempo de voltar para a prancheta," defendeu Haddad, sem apontar caminhos.
No dia anterior foi a vez de Macron fazer um discurso empolgado na Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes. Mas o presidente que já disse ser "nem de esquerda nem de direita" ou então "de direita e de esquerda" é dos mais impopulares da história recente da França. É aprovado por apenas 23% dos franceses. Apesar das grandes expectativas aquando da sua eleição, Macron não conseguiu regenerar o centro, um espaço político que já teve como expoentes Tony Blair, Bill Clinton e Romano Prodi.
Visto à lupa, o centro, ou a 3ª. via, mantêm a mesma estrutura óssea desde que o alemão Wilhelm Röpke desenhou os contornos da teoria da economia social de mercado nos anos 40. Anos mais tarde ganhou corpo com os governos de Harold Macmillan (1957-1963) e Bob Hawke (1983-1991), no Reino Unido e na Austrália, respetivamente. Mas há mais de duas décadas que o centro não se reforma.
As faltas de liderança e de criatividade da direita, da esquerda e do centro tornam-se ainda mais conspícuas se considerarmos que jamais houve um contexto tão favorável ao desenvolvimento de ideias inovadoras.
Nunca houve na história um volume tão expressivo de mentes brilhantes e treinadas nem condições logísticas tão convidativas à troca de ideias e à experimentação de novos modelos. Em 1848, quando Marx coescreveu o Manifesto Comunista, o itinerário entre Bruxelas (onde residia) e Londres (local da publicação) demorava 3 dias, no somatório das viagens de diligência, barco a vapor e comboio. Hoje demora 2h56 (comboio) ou 1h10 (avião). Quando um dos Pais Fundadores dos EUA, Thomas Paine, escreveu os Direitos do Homem em 1791, os EUA tinham 19 instituições de ensino superior, enquanto hoje têm 4,360.
O ano passado, desanimado com a falta de ideias inovadoras sobre governança global, o bilionário sueco Laszlo Szombatfalvy, fundador da Global Challenges Foundation, lançou um concurso milionário para escolher as melhoras propostas. Candidataram-se 2,702 pessoas. Mas ninguém recebeu integralmente o prémio de 5 milhões de dólares, dado o caráter incompleto ou irrealista de todas as ideias apresentadas.
Já a beirar a 4ª. Revolução Industrial, centrada na tecnologia que sacudirá significativamente a forma como pensamos, trabalhamos e socializamos, o mundo nunca careceu tanto de líderes excecionais em todos os quadrantes ideológicos.
O que pensa a esquerda, o centro e a direita sobre nanotecnologia, Internet das Coisas, Inteligência Artificial ou Big Data aplicados à saúde, segurança social ou educação? E qual a relevância do coletivo ou da propriedade privada para as novas gerações tipificadas pelo imediatismo, individualismo, e falta de pendor materialista?
No meio das crises que se agudizarão, faltarão guias e guiões. E é nessa altura que sentiremos saudades de todos os líderes políticos que escreveram os manuais de instruções que orientaram, durante séculos, as nossas escolhas políticas. Sentiremos falta até daqueles contra quem pegamos em armas. Haverá pessoas de direita com saudades do olhar social de Engels e pessoas de esquerda saudosas do espírito pacifista de Edmund Burke.
* Rodrigo Tavares é fundador e presidente do Granito Group. A sua trajetória académica inclui as universidades de Harvard, Columbia, Gotemburgo e California-Berkeley. Foi nomeado Young Global Leader pelo Fórum Económico Mundial.