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Daniel Oliveira volta a recordar o caso da delegada de saúde do Algarve, que justificou o encerramento de escolas do 1.º e 2.º ciclo, de quatro concelhos, "com profundidade técnica e científica", para criticar a atitude do Governo perante o aumento do número de infetados. Na sua opinião, o executivo optou, no fundo, por um recolher obrigatório que é "inútil e inconstitucional".
"No que toca a medidas de contenção do número de infetados, parece-me que é este o espírito que se instalou no Governo. É preciso fazer alguma coisa. Olhou-se para o aumento de casos entre os mais novos, viram-se imagens de jovens a confraternizar à noite e concluiu-se que era preciso fazer alguma coisa.
Optaram pelo recolher obrigatório, que dizem que não é recolher obrigatório, mas tratam como se fosse recolher obrigatório", explica Daniel Oliveira.
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O jornalista considera que, com este recolher obrigatório a partir das 23h em 45 concelhos do país, os jovens vão passar da rua para casa uns dos outros, aumentando o risco de contágio.
"A não ser que alguém acredite que vão passar o segundo verão em casa, com quatro ou cinco óbitos por dia. Este tipo de medidas apenas diminui a autoridade do Estado e dificulta o cumprimento de todas as restantes regras, mas o problema desta medida não é ser tão inútil como a proibição de sair e entrar na área metropolitana de Lisboa ao fim de semana, que obviamente não impediu que a variante circulasse tão livremente pelo país como irá circular por toda a Europa, é ser inconstitucional. Ditar a saída de casa é a medida mais restritiva à liberdade que o Estado pode impor aos cidadãos antes de os prender", afirma o jornalista.
Para Daniel Oliveira, a medida é necessária, mas nunca poderia ser concluída por um despacho do Governo ou ser aplicada sem o estado de emergência. E, por isso mesmo, tece também críticas ao Presidente da República.
"Na gestão política que vai fazendo das suas posições sobre a pandemia, o constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa pode ter metido férias, mas a Constituição, essa, continua em vigor. O porta-voz da PSP veio anunciar que o não cumprimento destas regras pode levar, no limite, à detenção por desobediência. Fazendo uma ginástica lógica, explicou que se trata apenas de uma indicação, mas que, com base nela, pode deter cidadãos e assim se percebe que o abuso de poder do Governo tem como consequência imediata um abuso geral de poder das várias estruturas do Estado", critica.
A suspensão da Constituição da República Portuguesa, segundo Daniel Oliveira, não devia acontecer por uma doença "que mata quatro ou cinco pessoas por dia".
"Não porque tal medida seja eficaz ou indispensável à contenção da pandemia, mas porque o Governo ou a senhora delegada regional de saúde do Algarve tem de fazer alguma coisa. Se as coisas estão assim, imaginem se estivessemos perante os 300 óbitos diários de março. Estaríamos disponíveis a dispensar a nossa democracia constitucional", considera Daniel Oliveira.
O jornalista sublinha que a aprovação do estado de emergência não é um pró-forma, é a garantia de que um Governo, seja ele qual for, não banaliza a suspensão das liberdades dos cidadãos.
"Só o pode fazer cumprindo as regras que a Constituição determina e garantindo o apoio democrático parlamentar para criar momentos de exceção. Nenhum Governo pode, em mera reunião do Conselho de Ministros, fechar as pessoas em casa sem cumprir as regras constitucionais e estar protegido pela declaração do estado de emergência. Com as atuais variantes do coronavírus todos sabemos, porque a ciência nos dá essa evidência, qual é a forma de reduzir drasticamente as hospitalizações dos doentes Covid e diminuir o número de óbitos: ter o máximo de pessoas com a segunda dose da vacina o mais depressa possível", acrescenta.
Texto: Cátia Carmo