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Os debates presidenciais têm sido interessantes de seguir. Os meus favoritos são aqueles em que participa André Ventura. Desde logo porque, sempre que fala, parece que estou a ouvir o discurso de uma candidata a miss qualquer coisa. Não pelo conteúdo, uma vez que as misses se limitam a pedir a paz no mundo, enquanto Ventura quer limpar Portugal, a Europa e o mundo de corruptos, de imigrantes e, ultimamente, de cidadãos do Bangladesh. Mas, à semelhança das candidatas a miss, o líder da direita radical populista repete ideias simples, capazes de emocionar o mais empedernido abstencionista. Para citar uma frase muito repetida pelo líder do Chega, a "conversa da treta" é sempre a mesma.
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Por exemplo, a preocupação com a corrupção é tão grande que, nestes 50 anos de democracia, só descortina uma grande mudança, repetida três vezes, no debate com Marques Mendes: corrupção, corrupção, corrupção. Mendes tentou enlamear o debate, atacando o currículo de um dos deputados do Chega, aquele que foi apanhado a roubar malas nos aeroportos. Mas Ventura não se deixou ficar, e cito: "Há 50 anos que vocês andam a roubar malas cheias de dinheiro". Incluindo, portanto, o adversário que tinha à sua frente, no saque democrático. Mendes nem tentou rebater o argumento. Compreende-se. No tempo em que havia conversas de café, quando um cliente mais exaltado proferia determinado tipo de sentenças, a determinadas horas da noite, o mais prudente era ficar calado.
Mas há outras qualidades de Ventura que merecem destaque. Gosta de ordem e de regras. Que trata de impor, "contra tudo e contra todos" e, simultaneamente, "de olhos nos olhos", duas expressões sempre presentes no seu discurso tão original. Destaco a cena que ocorreu na Assembleia da República, e na forma como a contou o nosso herói, no referido debate, com uma emoção que poderia bem ser a de quem está a falar de uma operação de limpeza no Bairro da Jamaica, ou num acampamento cigano.
Pois não é que um provocador espalhou cravos vermelhos no Parlamento, no preciso dia em que se comemoravam os 50 anos do 25 de novembro? Como bem lembrou o candidato, um ato que vai contra todas as regras, porque aquele, note-se, era um dia para rosas brancas. E quando é preciso "impor a ordem e as regras", ninguém o faz com a coragem de Ventura. Tal como o polícia arremete contra os criminosos, que, ou são imigrantes, ciganos, ou políticos, Ventura arrancou os cravos desse local sagrado. Não há flores revolucionárias que o impeçam de "cortar a direito", outra das suas frases originais.
Para citar Camões, um tipo que tinha jeito para a épica, "ditosa pátria que tal filho teve". É certo que o poeta se referia ao Condestável e à vitória sobre os castelhanos em Aljubarrota, mas a comparação não é descabida. Também Ventura é destemido, também ele não tolera "traições à pátria", e muito menos a ameaça de perigosos "esquerdalhos" armados com cravos.
