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Ronaldo já me fez saltar muitas vezes da cadeira ou do sofá. E não foi apenas porque joga na seleção portuguesa. Devo esclarecer que, além de não ser nacionalista, não sou um fanático da bola. Mas reconheço que vejo futebol, por vezes, com algum entusiasmo. E Ronaldo é um daqueles jogadores que, ao longo de várias décadas, ajudou a cimentar a minha paixão pelo jogo mais popular do planeta. Ou, pelo menos, na parte do planeta onde me calhou viver.
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Não sei, nem me interessa, se Ronaldo foi ou é melhor do que outros jogadores que tive a sorte de ver jogar, como Messi, Maradona, Ronaldinho, a dupla Xavi e Iniesta, ou aquele maravilhoso grupo de samba brasileiro do Mundial de 1982, em Espanha. São, ou foram, todos artistas que, dentro das quatro linhas, me fizeram levantar da cadeira ou do sofá muitas vezes, por causa de uma finta, um passe rasgado, um golo espetacular e, por vezes, todos esses gestos na mesma jogada.
A minha paixão pelo jogo e pelos seus artistas esgota-se, no entanto, quando o árbitro apita para o final do jogo. Fora de campo, são homens (e cada vez mais mulheres) como quaisquer outros. Cheios de qualidades e ainda mais defeitos, como todos nós. Ter marcado muitos golos, ter feito as melhores fintas, ter marcado golos impossíveis, ou mais golos do que qualquer outro, não faz de ninguém um ser humano especial. Para isso são necessárias outras qualidades.
Se era preciso melhor prova dessa, por vezes, miserável condição humana, seja no académico, no taxista, ou no futebolista, temos esta última visita de Ronaldo à Casa Branca. Não se exaltem, não tem nada a ver com o facto de ter andado a trocar cromos circunstanciais com Trump ou as fotografias na Sala Oval. O problema é o pretexto que o levou até lá.
Ronaldo foi o troféu que um ditador chamado Mohammed bin Salman levou no bolso na sua operação para lavar a imagem junto dos americanos e do Mundo. Ronaldo foi o alfinete na lapela, enquanto se assinava o contrato de compra de uns quantos caças F35 e se anunciava que a Arábia Saudita fará investimentos de um milhão de milhões nos Estados Unidos da América.
E porque precisa bin Salman de lavar a sua imagem e de levar um troféu nessa operação de marketing? De forma resumida, porque é o líder, de facto, de uma ditadura, uma monarquia absolutista, em que as mulheres são tratadas como criaturas de segunda categoria, em que se pode ser condenado a umas centenas de chicotadas ou à morte por delito de opinião. E porque, segundo os americanos, a quem foi agora oferecer dinheiro, foi bin Salman quem ordenou a morte de um jornalista que, depois de morto, foi esquartejado.
Foi a este indivíduo sinistro que Ronaldo decidiu emprestar a sua imagem e a sua popularidade. Nada de surpreendente, uma vez que já é bin Salman quem lhe paga as muitas centenas de milhões que cobra por jogar nas arábias.
Dentro de campo, e em particular noutros tempos, que a idade não perdoa a nenhum de nós, Ronaldo corria, fintava e rematava na direção certa. Pelo menos, dentro de campo. Desta vez, marcou um golo na própria baliza. E o que é pior, para um apaixonado pelo bom futebol, Ronaldo foi pago para marcar na própria baliza.
