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Enquanto centenas de marroquinos regressam a pé, desde Ceuta, às suas casas, outros tantos caminham em sentido contrário. São milhares, muitos a tentarem atravessar a nado o pedaço de mar que os separa das melhores condições de vida que esperam encontrar no "paraíso" europeu. Há crianças a morrer, crianças enregeladas, crianças salvas no limite. Fotografias de crianças convertidas em manifesto.
Pelo meio há uma crise diplomática entre Espanha e Marrocos e dúvidas legais pelas expulsões coletivas ordenadas pelo governo de Sanchez, que são proibidas pela Convenção Europeia de Direitos Humanos. Nada de novo no historial dos dois enclaves espanhóis Ceuta e Melila, no Norte de Marrocos, não fosse o número sem precedentes de migrantes e as imagens inimagináveis a que não se pode ficar indiferente.
A partir daqui é fácil apontar o dedo e condoer-se com o drama de milhares de vidas, o que ocorre ciclicamente até que outra tragédia se sobreponha na agenda. Mas a questão é mais grave, mais estrutural, e muito mais funda do que diferendos políticos como o que opõe Espanha a Marrocos em torno da luta pela independência do Sara Ocidental, apontado agora como estando na origem desta tragédia humanitária (e parecem não restar dúvidas sobre o descuido diplomático de Espanha).
O que esta crise prova é a falta de estratégia europeia para lidar com as migrações, fundada essencialmente em entendimentos forrados a dinheiro que, na Turquia como em Marrocos, servem de tampão aos fluxos migratórios, misturando terrorismo com políticas de acolhimento de refugiados.
Da Turquia a Marrocos, a grave vulnerabilidade europeia à chantagem dos vizinhos com quem mantém acordos assentes na assistência financeira transforma qualquer apelo do papa Francisco à solidariedade e ao acolhimento, e têm sido recorrentes desde o início do papado, em mantras que ninguém ousa levar a sério. Porque no fim o que subsiste é o medo de que nos entrem em casa.