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A receita não é nova e o atual ministro da Saúde, Manuel Pizarro, estava igualmente no Governo quando, em 2009, foi celebrado um contrato com o Governo de Cuba que permitiu reforçar a resposta dos serviços públicos no Alentejo, Algarve e Ribatejo. Uma década e meia depois, com as dificuldades de contratação agravadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), é esperada para breve a chegada de cerca de 300 médicos cubanos. Os contactos na tentativa de agilizar os procedimentos (habitualmente morosos) para validação de competências e inscrição na Ordem dos Médicos estão já em curso, como hoje explica o "Jornal de Notícias".
Sabemos que em muitos concelhos da raia a resposta é já assegurada por profissionais estrangeiros. Espanha lidera destacada em volume de inscrições na Ordem, seguindo-se Brasil e depois, a larga distância, um conjunto diversificado de nacionalidades. Do total de inscritos, menos de um terço exerce no SNS. Todos são bem-vindos.
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Contudo, soluções deste género serão sempre insuficientes e transitórias se, a par de propostas imediatas, não forem tomadas medidas estruturais para fortalecer o SNS e fixar médicos nos serviços públicos. Num quadro de progressivo alargamento da formação, em que estão em avaliação novos cursos de medicina em universidades que poderão contribuir para mudar o paradigma territorial no setor, não se pode dizer que Portugal tenha falta de médicos. O que acontece é que investe muito na formação de profissionais de saúde que acabam tantas vezes a trabalhar noutros países europeus ou no setor privado, onde se sentem mais compensados.
Em recente entrevista, aqui mesmo na TSF, o ministro Manuel Pizarro considerou normal que, num mundo globalizado, os jovens médicos circulem e queiram ter experiências internacionais. O que não será normal é a falta de medidas realmente atrativas por parte de quem tem a missão de lhes dizer que vale a pena ficarem em Portugal. O que passa por temas laborais e salariais, mas não só. Passa pela valorização de instalações e equipamentos do SNS, pela capacidade de estancar a sangria de especialistas essenciais para formar os mais novos, pela inversão da espiral de degradação que tem vindo a criar, na opinião pública, um sentimento de insegurança.
Para quem está fora do setor, um prémio de 20% pode parecer um incentivo significativo para o regime de dedicação plena, em fase de negociação com os sindicatos. Olhando para o detalhe, o acesso a este regime pressupõe uma carga suplementar mal recebida por profissionais esgotados desde o período da pandemia, que alarga o limite de trabalho adicional anual até às 350 horas.
O SNS foi inequivocamente uma das maiores conquistas de Abril. Quando olhamos para o que se passa em obstetrícia, com a capacidade de resposta comprometida já não propriamente em sítios remotos do chamado Portugal profundo, mas em capitais de distrito do litoral, o que está em causa é a confiança dos portugueses no seu SNS. Fala-se há muito de um pacto para a justiça, mas o país precisa igualmente de um pacto para a Saúde. Que envolva profissionais e decisores, numa perspetiva de médio e longo prazo. Só que aqui entramos, claro, no terreno pantanoso das ideologias. À direita, melhor saúde pressupõe maior ligação aos setores privado e social. Quando a lógica deveria ser outra: o SNS tem de ser capaz de dar resposta a todos. A liberdade de escolha entra em jogo num segundo nível. Quando estão asseguradas condições dignas e seguras de resposta para todos os que não têm liberdade para escolher. Caso contrário, teremos uma saúde para quem pode pagar e outra para quem fica travado em listas de espera.