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Quando eu ensinava na London School of Economics, o mundo estava em sossego e o governo búlgaro fazia assassinar dissidentes - um na rua ali mesmo ao lado, com picada envenenada de ponta de guarda-chuva numa barriga de perna de que, no tumulto da hora de ponta em Aldwich, a vítima mal se apercebera - o meu colega David Martin, pastor metodista e professor de sociologia, foi a Sófia numa dessas visitas de intercâmbio cultural promovidas pelas burocracias dos dois lados durante a Guerra Fria, para suscitar improvável confiança recíproca e, nunca se sabe, proporcionar porventura alguma espionagem.
Num café, David foi apresentado pelo acompanhante oficial búlgaro que durante toda a visita não o largou a um senhor de idade, professor de história de arte na universidade de Sófia, o qual, depois de trocadas cortesias de circunstância lhe perguntou o que é que o heroico povo inglês pensava da pintura de Picasso. David respondeu-lhe que não lhe poderia dizer porque não julgava que o povo inglês tivesse uma posição única, acordada entre todos, sobre a pintura de Picasso. "Oh Professor Martin" queixou-se o búlgaro "you are so cynical".
Claro que não há garantia nenhuma do búlgaro estar a dizer o que verdadeiramente sentia e muitas razões para pensar que papagueava o que os ideólogos do regime - por sua vez papagaios de palavras de ordem mandadas de Moscovo - entendiam ser a pergunta a fazer sobre Picasso a um aparachik inglês (a independência das universidades bem como, de resto, a separação de poderes, era estrangeirice idiota que não embaraçava o pensamento desses funcionários) mas o sossego por detrás da pergunta que durou sete décadas e só se desfez por desagregação interna (há muito prevista pelo diplomata americano George Kennan) acelerada quase no fim pelo Papa polaco e pelo cowboy da Califórnia, faz tanta falta que, em partes do que era dantes a Alemanha de Leste, nostalgia do comunismo prevalece, acompanhada por ataques frequentes a imigrantes.
A L.S.E. era vivível. Eu não ascendera a ela directamente de faculdades lisboetas coevas e escapara por isso a maravilhamentos com o ensino, os professores, os estudantes (embora nota recebida uma sexta-feira, avisando-me que a reunião de professores da terça-feira seguinte começaria às três e um quarto e não às três, mereça lembrança). Escorregara para ela depois de oito anos em Oxford, cinco como estudante, três como fellow de um colégio e as comparações eram outras. Primeiro, o prédio é feio. Depois, enquanto a divisa de Oxford é humilde - "Que Deus me ilumine" - a da L.S.E. tresanda orgulho humanista: «Conhecer as causas das coisas». (Ambas em latim). Por fim, embora toda a gente queira ir estudar para Oxford a escolha é livre: nada impede director de colégio de admitir um cavalo. Na L.S.E. era diferente."We teach the upper middle brains of the lower middle classes" expliquei ao visitante americano que disfarçou a indignação mas foi depois dizer que eu era snob.