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Tomem nota. Marcelo Rebelo de Sousa, o analista político mais sagaz, informado e criador de factos políticos, o enfant terrible da análise política, o antecipador de cenários, possibilidades e eventos que só terão lugar no futuro, deixou claro, a semana passada, que o dia em que Passos Coelho falou sobre o seu futuro "pessoal e político" é digno de uma entrada na agenda. Tomem nota, disse Marcelo, no Grémio, onde foi enquanto Presidente da República, mas onde não conseguiu deixar à porta a inquietação própria do comentador irrequieto.
Tomem nota.
Passos Coelho era líder do PSD e primeiro-ministro. Cavaco estava a acabar o mandato e a direita procurava um candidato. Marcelo era, por essa altura, ainda que não formalmente, o candidato não anunciado, mas que todos sabiam que o seria. Passos explicou, num Congresso do partido, que o país não precisava de um Presidente que fosse um "cata-vento mediático". Todos olharam para Marcelo. E ele, nada, como se nada fosse. Mais tarde, Passos Coelho haveria de dizer que o recado não era dirigido a Marcelo. A coisa ficou explicada, mas não sanada. Nem esquecida. Os partidos, os políticos, podem até perdoar, mas nunca se esquecem. E, num partido autofágico e de lutas intestinas internas, há zangas que duram desde a fundação. Nunca se esquecem de quem esteve ao lado de quem em que congresso, em que eleição, em que disputa. Marcelo seguiu, sozinho, andou a fazer campanha de táxi, deu beijos, abraços, afetos e selfies. Foi eleito presidente, uma e outra vez. Ele não precisava da elite do PSD, precisava apenas do povo laranja. E, esse, estava com ele.
No espaço de dois meses, Marcelo, o Presidente, fez elogio público de Passos e aventou o seu regresso. As palavras não passaram despercebidas e, parecendo de repente, Passos voltou às notícias. O auto-recato do antigo primeiro-ministro que prometeu ser pai a tempo inteiro e dedicar-se ao ensino, acabou abalado. Foi, outra vez, capa de revista, com revelações sobre os estados de alma por que passa, a vida que faz, o que pensa, com quem almoça ou janta, onde vai e o que diz.
Nas contas de Marcelo, citando de cor, "2023 é um ano decisivo" e, em 2024, "há eleições europeias". Duas verdades lapalissianas. Só que, na presidencial cabeça, os cenários já estão todos traçados, com os prós, os contras e, até, os imprevistos. Citando, mais uma vez, a célebre dicotomia com que Marcelo comentador apresentava as ideias, "por um lado" o regresso de Passos parece consensual para a direita e podia retirar força eleitoral ao Chega. "Por outro lado", o PSD está servido de liderança. O próprio líder do PSD, apressou-se a dizer que os futuros contributos de Passos Coelho seriam "excelentes" e adiantou que fala quase todos os dias "com o Presidente da República". Aliás, recentemente, ambos fizeram uma dança pública de palavras e meias-palavras, na feira do queijo. Marcelo chegou primeiro e foi ficando, ficando, ficando, até à hora em que Montenegro deveria chegar e, os dois, lado a lado, deram mais umas voltas à feira. E combinaram uns pastéis de Belém, um dia destes, para "falarem". Que não ao telefone, presume-se.
Tome nota.
Passos Coelho está de volta. O PSD, que continua sem descolar nas sondagens - tem sido o PS a cair muito, não tanto o PSD a subir - agita-se com a possibilidade. Marcelo, qual mestre de xadrez, joga com as peças todas. Ele sabe, melhor do que ninguém, qual o valor, o percurso e o caminho de cada uma delas. E também sabe em que momento deve avançar para o xeque-mate. "2023 vai ser um ano decisivo." E, depois, "há eleições Europeias". Tome nota.
